terça-feira, 12 de junho de 2018

Água Viva


                                   imagem: https://hilight.kapook.com/view/107616?view=full
Água Viva

Os amantes se separam e partem, individualmente. Viajam entre  águas vivas estufadas de dores. Acumulam os soluços em recipiente à parte, junto às últimas falas de um idioma comprimido e sorriem com os dentes apertados. Os amantes precisam de pessoas  novas, promessas novas, sonhos novos e nova dicção. Querem esquecer o glossário antigo, gasto pelo uso e pelo tempo. Os amantes exibem um novo corpo, novos movimentos, novos abraços, novos prognósticos. Os amantes praticam alquimia, cada um no seu contexto, arriscam seus totens e andam, andam, andam... tremem em uma coreografia sem paixão, tentam, reintentam e depois se sentam cansados. O desconsolo tem ramos que saem pelos ouvidos e serpenteiam sobre a cabeça. O mundo partiu-se em dois. Há restos mortais nas vozes, letras mortas sobre as tatuagens que pactuaram, sons apagados nas gargantas.  As marcas dos corpos vão desaparecendo e eles sentem uma dor inexplicável entrando pelos poros. Os amantes olham para o horizonte buscando sinal de fumaça, mas já não há nada, apenas o desejo de ir a um lugar que não existe. Não há nada de verdadeiro nas palavras que proferem, eles sabem. Não haverá tão cedo, inverdades os manterão afastados. O que restou de concreto foi uma mesa empoeirada para encontros furtivos e uma estátua de concreto embaixo de um céu infinito. Os amantes estão arrependidos, mas isso não importa, precisam manter a aparência. O pouco que compreendem é pouco para resgatar a loucura da beleza frenética da luz. E os amantes se acovardam, encenam textos ridículos, mostram caricaturas deformantes, apostam em outros jogos, vários jogos até ficarem muito distantes e um mar de água viva crescer entre os dois. 
Lucilene Machado