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Água Viva
Os amantes se separam e partem, individualmente. Viajam entre águas vivas estufadas de dores. Acumulam os
soluços em recipiente à parte, junto às últimas falas de um idioma comprimido e
sorriem com os dentes apertados. Os amantes precisam de pessoas novas, promessas novas, sonhos novos e nova
dicção. Querem esquecer o glossário antigo, gasto pelo uso e pelo tempo. Os
amantes exibem um novo corpo, novos movimentos, novos abraços, novos
prognósticos. Os amantes praticam alquimia, cada um no seu contexto, arriscam
seus totens e andam, andam, andam... tremem em uma coreografia sem paixão,
tentam, reintentam e depois se sentam cansados. O desconsolo tem ramos que saem
pelos ouvidos e serpenteiam sobre a cabeça. O mundo partiu-se em dois. Há
restos mortais nas vozes, letras mortas sobre as tatuagens que pactuaram, sons
apagados nas gargantas. As marcas dos
corpos vão desaparecendo e eles sentem uma dor inexplicável entrando pelos
poros. Os amantes olham para o horizonte buscando sinal de fumaça, mas já não
há nada, apenas o desejo de ir a um lugar que não existe. Não há nada de verdadeiro
nas palavras que proferem, eles sabem. Não haverá tão cedo, inverdades os
manterão afastados. O que restou de concreto foi uma mesa empoeirada para
encontros furtivos e uma estátua de concreto embaixo de um céu infinito. Os
amantes estão arrependidos, mas isso não importa, precisam manter a aparência.
O pouco que compreendem é pouco para resgatar a loucura da beleza frenética da
luz. E os amantes se acovardam, encenam textos ridículos, mostram caricaturas
deformantes, apostam em outros jogos, vários jogos até ficarem muito distantes
e um mar de água viva crescer entre os dois.
Lucilene Machado