ENCONTRO
O moço chegou sem nenhuma referência.
Provavelmente veio de um lugar de coisas acontecidas, de palavras perdidas, relações esgotadas, mentiras transbordadas, verdades incompreendidas... Não me recordo se
era quarta ou quinta-feira, apenas que era dia de percorrer longas distâncias
dentro de mim. Não havia nenhuma comemoração. Ou havia? Talvez houvesse alguma vibração positiva brindando
aquela casualidade, embora, encontros não ocorram ao acaso. Muitas coisas no universo
são movidas para que duas pessoas estejam ao mesmo tempo em um mesmo lugar. Mas
optamos pela indiferença por uma única razão: somos tolos! Ele com uma tolice
inata aos homens bonitos. Eu, com uma tolice inata às mulheres tímidas. Neste
caso, brindamos com silêncio o que fingimos não reconhecer.
Nossas órbitas oculares, essas sim
se reconheceram, as pupilas fixas deixaram escorrer o olhar de desejo. Uma
música imaginária circulava nossos corpos no centro de qualquer futuro. Tentei disfarçar, várias
vezes. O moço também. Mãos na mesa, mãos no queixo, mãos no joelho. Meu sangue
fazia mil curvas, como um rio subterrâneo, em movimento, precisando desaguar.
Desejaríamos ambos nos entregar a uma vontade maior que a nossa? Não ouvi
respostas, apenas as pulsações de um invisível relógio a esmagar o tempo dentro
de suas ferragens.
Ele olhou-me de frente como se
parasse de respirar, como se estivesse diante de um deserto, diante do mar, debaixo
de uma árvore no meio do campo, debaixo
da chuva, debaixo da neve, como se fôssemos uma única imagem, pronta a ser
copiada. Um silêncio brando nos envolveu como se fôssemos únicos no recinto. Nada
na vida me pareceu mais linguagem do que o silêncio. O que nos fez desprezar as palavras. Talvez fossem excedentes. Talvez prematuras. Talvez
atrevidas. Quem é capaz de traçar, antecipadamente, um caminho por onde
percorrerão as palavras? O toque, o toque poderia ser menos comprometedor. Mas
também não nos tocamos. Desejei a palidez de suas mãos de mármore. Quis
acariciar a artéria azul saltada pelo sangue vindo do coração, descansar minha
cabeça nas palmas abertas a escancarar as linhas que compunham o seu destino.
O tilintar dos talheres arrancou-me
de minha caverna. E o moço? Bem, o moço se
foi. Discretamente, como chegou. Levou o sonho, a esperança, o prazer... já seria a hora de envilecermos?
Ele tinha de ir. E eu fiquei ali, na
mesma posição, olhando para as costas do moço e pensando como teria sido se ele
ficasse. Se seria bom, se ele escrevia
bem, se gostava de tomar chá pela madrugada...
Fiquei olhando para o moço e ele indo embora... Nem fiquei sabendo se
ele lia Pablo Neruda, se gostava de Pessoa.... se já havia chorado por amor, se tinha algum
sinal de infância... Por que aquele cuidado excessivo em apagar as pegadas, em
não deixar pistas? Por que a precaução em se
manter desconhecido?
Fiquei pensando nas
coisas que a gente perde, sem saber o que está perdendo, nas pequenas
conspirações do destino e na dolorida hora de olhar alguém partindo e desejar
profundamente que ele fique. Talvez a poesia explique. Diz Neruda: "foi só
uma hora longa como uma veia, e entre o ácido e a paciência do tempo enrugado, transcorremos,
separando as sílabas do medo e a ternura”.
Lucilene Machado
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