Imagem: tecnologia do futuro.blogspot.com
Hiper-realidade
Observo
a vida pelas redes sociais. Pessoas buscando significados inquietantes para
assegurarem-se de que estão vivas, de que não são peças de um simulacro, de uma
grande irrealidade que ousa parecer real. Para justificarem, pensam, riem, se
autointerpretam, se autoenganam e postam sua própria imagem em busca de uma
cotação no mercado do marketing pessoal. Ou seria mercado da estética?
Todas
as palavras relacionadas com a imagem são bem conceituadas nos espaços
virtuais. Elas chovem, desabam em avalanches, jorram no espaço e pululam, aos
nossos olhos, como bolhas artificiais. Palavras terrivelmente gastas e usadas,
esgotadas pelas milhares de vezes que são empregadas. Incontáveis repetições
das mesmas piadas, mesmas expressões, mesmos floreios, mesmas metáforas. Pior é
quando vejo minhas palavras reproduzindo tais coisas. Eu que defendo a ideia do
esvaziamento dos vocábulos gastos e a
ideia de um espírito purificado, limpo da escória do palavreado igual, na
primeira oportunidade, repito os mesmos vícios. É a hora de emburrecermos?
Os rostos das mulheres manipulados por lentes
especiais, os olhos dos homens buscando a falsa perfeição, os desejos massificados
cortando a carne como lâmina de barbear. Vale mais um retrato bem feito do que
um texto bem escrito. Assuntos de todos os níveis necessitam de cores, desenhos,
gravuras, fotos capazes de exprimir o que já está exposto. A
ideia de uma profundeza humana oculta me parece impossível, já que os ruídos da
superficialidade são extremamente tranquilizadores.
Acrescento
minhas palavras, aumento com algum murmúrio o imenso barulho das vozes. Marco
algumas linhas para nada, para dizer, talvez, que estou viva, que quero ser
lembrada, amada, reconhecida e constatar minha cotação no mercado da egolatria.
Mostro meus algarismos inúteis, preencho espaços, construo memórias e
acrescento os meus amigos neste enredo ruidoso que se movimenta conforme a vida
real. Homens e mulheres de todas as idades, de todos os tipos, um dia, sem se
dar conta, se autoplagiaram, se autoinvocaram e aqui sobrevivem como cópias de
si mesmo.
Olho
para a tela do computador e perco as palavras. Algumas desaparecem
instantaneamente. Livro, gato, flores... acidente de carro, assalto, duas ou
três palavras incompreensíveis e outras enormes como IDEOLOGIA, INFÂNCIA,
EDUCAÇAO... Todas serão apagadas nos minutos seguintes. Vejo o céu por
fotografia, vejo os pássaros planando as nuvens em círculos e se confundindo
com o plano das ideias, não sei. Os vídeos de lugares distantes me fascinam
pelas diferenças. Só me enfadam quando se repetem paulatinamente. Todos os
nomes que têm Sorrilla são meus parentes. Mas eu não tenho. E se tivesse, teria
sido ainda assim eu mesma. Os nomes não modificam as pessoas. Milhares
inventaram outros nomes nas redes. Eu inventei sonhos e um nome que dorme todos
os dias no céu da minha boca. Às vezes, as letras se derramam virtualmente por
minha garganta, sem qualquer explicação. A gente não consegue explicar tudo que
acontece por dentro, nem tudo o que acontece no espaço cibernético tão falso e
tão real. Ainda não é possível desvendar esses segredos rápidos, essas
aventuras, esses sinais pintados nas paredes pré-históricas digitais que serão,
um dia, estudados como modelos arcaicos dessa nossa geração cativa da solidão.
Lucilene Machado
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