Fazer amor é muito difícil
Em uma sociedade hedonista que tem o prazer como
supremo bem da vida, fazer amor está fora dos propósitos. O usual é fazer sexo,
embora se utilize a terminologia do amor, o que sugere um pouco de confusão. Fazer amor requer dedicação, cumplicidade,
sentimentos, doação, palavras, silêncios, confiança, poesia, autoria e coautoria,
paciência... para não falar de outros tantos conceitos já em desuso. Mas, as
mulheres teimam em fazer amor. Para nós, fazer amor é a coisa mais sublime do
mundo. É beber o tempo que vai escapando do relógio, gota a gota,
delicadamente, costurando ao prazer toda espécie de sensação. Até a paz
participa do processo sem nenhuma cerimônia e parece se demorar sobre os corpos
estendidos.
Fazer amor para nós é invocar. Corpo, alma e espírito.
Um ato que compartilha sonhos, esperanças, expectativas e, rejeita,
veementemente, a separação. É querer estar juntos em uma mesma eternidade,
ainda que o eterno exista apenas na ficção. É participar de um jogo de sedução
cujas regras estão delicadamente afinadas com as expectativas de ambos.
Fazer amor não é alcançar um orgasmo e sim alcançar algo
que nos faça superar o alvoroço das manhãs mal nascidas e mergulhar em um
silêncio onde seremos capazes de ouvir a alma tocando flauta. Quem faz amor é
capaz de olhar as coisas por dentro, recriar as gentes que o cerca, emprestar os
sonhos às ruas e caminhar sobre eles. Mas os homens não estão muito dispostos a
fazer amor. Alguns nem sabem o que é isso e poucos se dispõem a aprender. A
grande maioria acredita que é ter boa potência dentro das possibilidades naturais de macho.
Para evitar frustrações, boa parte das mulheres guarda
os pedaços sensíveis de si em um cofre blindado e jogam a chave em lugar
desconhecido. São convencidas a fazer sexo. Os argumentos são bastante
conhecidos, dá menos trabalho, além de não
correr o risco de ser descascada, como uma cebola, pela paixão. Mas no
fundo, as mulheres não são iguais aos homens. Nunca fomos, nunca seremos.
Mulher é um ser complexo que tem todo tipo de vento por dentro e quer se deixar
rodopiar conforme as insondáveis direções. Uma mulher tem incontáveis portas
fechadas as quais gostaria fossem abertas pela diligência masculina e, na falta
dela, enfrenta-se a frustração.
Estamos, sim, frustradas. O sexo pelo sexo nos deixa
só. Ficamos como a pedra que o rio gastou, o botão que não se abriu, a moeda
que comprou a sorte... Fazer sexo é ensaiar abraços que não vieram. Ouvir
promessas não ditas. Caminhar manca,
pisando desigual, em ruas áridas, cuja aspereza danifica os pés.
Fazer sexo pelo sexo é ter espinhos ferindo os
sonhos. É sacolejar feito um corcel sem
dono esperando ser feliz em alguma narrativa futura. Algumas de nós se
conformam em uma gaiola de ouro e se autojustificam com as respostas mais práticas
possíveis. Utilizam relógio que só marca a hora atual e varrem o tempo das
frustrações para o lado de fora da jaula. Algumas vão morrer sem nunca terem feito amor.
Têm consciência disso, porque uma mulher sempre sabe a diferença. Uma mulher
desenha, ainda que em suaves contornos, o amor que gostaria de celebrar. São telas
enormes que dominam todos os cantos da casa, todos os cantos da vida, entretanto,
nem sempre encontra um decifrador à altura.
Eu também já pintei telas. Casinha com portas abertas
e luzes acesas se oferecendo na noite como faíscas. Perguntei ao observador se
entendia, ele respondeu algo baixinho para eu não ouvir. Deixei-o falando
sozinho e lhe atirei o silêncio de muitos anos. Depois, como as demais,
inventei portas para minha casinha. Muitas portas...
De qualquer modo, é melhor não ter expectativas, fazer
amor é mais necessário do que nunca e mais impossível do que nunca. A obra de
David Buss Psicologia evolucionista,
com 600 páginas, dedica 180 à sexualidade e apenas duas ao amor. Segundo ele,
“o amor talvez seja o indício mais importante para o real desejo de vínculo”. Uma
definição frágil para algo que nos é tão especial e ocupa tão grande espaço na
psique humana.
O filósofo espanhol Jesús Gonzales Requena admite que
fazer amor é algo especialmente difícil. O sexo é uma dimensão
extraordinariamente inquietante porque atravessa uma fronteira corporal, choca
com a carne, em seu aspecto mais matérico
e imediato e volta para o inconsciente. Trata-se de uma escritura feita
em pele viva, dolorosa, com a qual o homem não pode viver todos os dias. Por outro
lado, reconhece que o ser humano não pode ser visto como uma máquina ajustada
para o sexo, uma máquina composta de peças que se ajustariam sem problemas num
mecanismo bem engraxado.
Entre volúpias e esquecimentos, teorias e contradições,
perdem as mulheres, perdem os homens. Já não se exercita a arte de saciar a
fome, de riscar o fósforo e enxergar o amor oculto no clarão, já não se tem a
oportunidade de labaredas, não se exercita a magia, não se exercita a arte de
viver e, viver ainda é uma arte.
Lucilene Machado
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