Amor em tempos de descobrimentos
Vivemos o tempo de descobertas e experimentos.
Experimentamos palavras de diferentes naturezas, mas sempre intactas, completas
de significado. Flexionamos verbos de ligação, ação e movimento, todos no tempo
presente. Às vezes a flexão é tão intensa que nos sentimos cansados. Aí
silenciamos. Um silêncio que vai perfurando nossos segredos mais íntimos e
proferimos com os olhos coisas ainda não nomeadas. A carga semântica do que não
tem representação fonética faz meu corpo tremer e quando ele murmura “meu
amor”, tenho certeza que todas as coisas estremecem.
Estremecer é um verbo que experimentamos a cada encontro.
Uma palavra que já ganhou memória afetiva à qual invocamos cada vez que nossa
boca se aproxima. Um pequeno abalo sísmico nos une e nos agarramos fortemente
para nos sentirmos mais confortáveis.
Conforto também faz parte do nosso léxico, é uma palavra
que nos cobre com toda sua potencialidade. Nossos joelhos emitem sinais de conforto, bem como nosso
ventre, pernas e braços enroscados.
Nossas peles se reconhecem e não há lugar no mundo mais apropriado para eu
morar do que nesse aconchego. Juntos nos metemos em uma caverna invisível,
rodeada de frases, de onde só saímos quando temos fome ou sede.
Às vezes palavras desconhecidas se oferecem para abrir o
nosso dia ou fechar a nossa noite. Lá fora o caos nunca se estanca, dentro me
ofereço na perfeição redonda de uma libação. Libação é dádiva, uma oblação que
só definimos pelos conceitos dos livros, mas às vezes a palavra quer ser posta
em prática, quer ser escrita no longo mapa de nossos corpos. Há muitas outras
palavras esperando para circularem em nossas línguas: palavras sagradas e
profanas. Crepitam pela noite, crescem pelo espaço da distância e vão se
coadunar pelas esquinas de nossa
história.
História é palavra antiga que atravessa todos os tempos.
A nossa é contemporânea, recém inventada pelo pós-modernismo ou neo-pós-modernismo
ou pós-neo-modernismo... certo é que a encontramos originalmente no caos
noturno das horas, na vertigem de um mundo urbano estranho e louco. A poesia
invadiu a miséria dos simulacros e esboçou futuros roubados de nossos olhares.
Brindamos com vinho e frases. Tentamos dizer como tudo é outra coisa e que o
amor no tempo futuro é terrivelmente profundo. As maçãs estarão vermelhas e as
uvas pendidas sobre a maturidade.
Por enquanto, bebemos juntos essa terna intimidade que
nos acolhe com os estremecimentos da carne e do coração e vamos nos seduzindo
com nossos verbos, nossos pontos, nossas vírgulas, nossas carícias, nossos
atrevimentos contínuos... e que o prazer que junto inventamos tenha significado
verbal de liberdade.
Lucilene Machado
Belo texto...
ResponderExcluirQue delícia... Que viagem!
ResponderExcluirIrrepreensível nos caminhos,
leva a homilia em punho, mas
traz um belo resgate, esculpido
como o vento a contornar a nuca.
Põe arrepios no que era pedra,
gemidos nas paredes do infinito,
onde irrompem as rachaduras,
e faz saltar palavras pulsando.
Descrevendo agora de tudo o todo,
e assim vogando, do ato ao acme,
rouba todo o silêncio das noites...
Parabéns professora Lucilene.