quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Claricianas II






CLARICIANAS


João planta flores em vasos de trinta centímetros. Com ele aprendi o significado do verbo envasar e a suportar a idéia da beleza espremida em tão pouco espaço. De vez em quando nos falamos. Ele me diz que as begônias floresceram, que o jasmim está perfumando a rua e me convida para um almoço debaixo do caramanchão coberto por uma trepadeira verde musgo. Se eu fico envergonhada, ele sorri com a boca molhada e me oferece vinho. É tão fácil gostar dele, é como gostar das flores. Mas ele não sabe que as pétalas de rosas alargaram meu coração. Que vez por outra vomito sangue em frases escritas na primeira pessoa e que me controlo para não encher a vida dele de palavras. Amar com palavras é muito perigoso. O amor está no silêncio, onde as palavras não se atrevem. Cada palavra é um atentado. E depois, rachaduras nos vasos, crostas de terra, estranhos sulcos, estranhas flores e formas. E depois, um tempo destruído.
Do livro Claricianas (2007)

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Lucilene,

Para mim, literatura é a arte em palavras.E diante da força do teu imaginário, da sutileza de tua criação, da engenharia de tua linguagem e do poder que "dás" às palavras, criando fortes sentimentos ao sabor da estética, eu, simplesmente, fico a admirar-te, sem palavras. (frazão)
P.S.: tentei postar no blog, mas o google me impediu. Então segue, aqui, o meu aplauso.

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

VERTICAL




Para as mulheres que sofrem, ou sofreram algum tipo de violência doméstica.



Há certo prazer em ouvir o ruído da noite instalando-se aqui dentro. Na parede, as marcas das tardes que vêm morrer na janela. Escondo o corpo na verticalização das tábuas, mas se olhassem pelas fendas laterais, veriam meu possível destino esticado entre as matajuntas. Fendas que eu mesma abri com golpes de mão direita nos dias de grandes batalhas. Homens viviam aqui. “Vá cozinhar farinha de trigo com ovos que amanhã eu vou pescar”. O verbo ir era a parte mais sutil do discurso. A possibilidade de encaixar a palavra liberdade à frase fazia retumbar a minha alma. Não uma liberdade adjetivada e magra, e sim uma liberdade desde todo o existir. Mas não consegui a exata arquitetura dos vocábulos. As construções foram ambíguas e a estética, desajeitada. Prossegui a preparar iscas para os peixes. A medida em que a massa ganhava consistência, via-se o fundo da panela reluzindo. Dava uma vontade de limpar o mundo do horror das gentes ásperas. Achava a vida bonita, mas cheia de gente dura. Gente de ferro que falava alto e dava murros na mesa. Gente que me fazia mastigar, mastigar com a língua e engolir aquela farinácea gosmenta que me estufava as vísceras. Só de pensar, dá uma dor de lado. Estômago e intestinos manchados. Neurônios cristalizados. Conceitos esvaziados. Fui meu próprio inferno. Mas há qualquer coisa de admirável em tudo o que fui. Fui corpo palavra. Modelo intemporal contorcionando frases inarticuláveis. Não eram frases gramaticais, eram pedidos de socorro. Um dia me sacudi das sensações inventadas e das advertências autoritárias. Disse que não tinha medo de viver ou morrer. Mas se vivesse haveria de ser eu com toda a intensidade. Eu menti, porque tinha medo sim. Um medo que horóscopo não resolve. Psicologia não minimiza. Medicina não cura. Um medo caseiro, medo destelhado preso às colunas da casa. Comecei a ler romances. Eles têm muito a recomendar aos que estão em conflitos, aos que vivem entre trapos e trapaças. Sade, Shakespeare, Schopenhauer, Montaigne, Maquiavel, Borges... Queria ser dona de mim. O juiz entendeu, mas não economizou nas perguntas. Eu não falava nada para que minha falta de coragem não transbordasse. Meus batimentos doíam diante de um par de olhos coléricos a observar-me. O pensamento era repetitivo e letal: amanhã morrerei. Sinais queimarão em segredo. Não ficarão pistas. O sangue umedecia o pensamento como uma esponja. Faltava saliva na boca, tinha sede. Não aprendi a técnica de doer menos. Doía até a última célula. Dor sem apoio, sem mureta pra encostar. Dor nos ossos. Cruel como uma confissão antes da morte. Quanto tempo da minha história estaria perdendo naquele tribunal? Quanto tempo vivi com os olhos fechados? Pelo menos a metade da vida. Depois de assinar os papéis saí só pelas ruas da cidade enluarada de insetos. Nunca mais peixes na travessa. Mas o medo continua colado no meu corpo.

domingo, 20 de setembro de 2009

Comentários de amigos

Desculpem a falta de modéstia, mas vou postar aqui o comentário do meu amigo João Ferreira. Um beijo, querido e obrigada pelas palavras de carinho.


De momento, escrevo como amigo, mas também como leitor. Escrevo especialmente para lhe dizer que "a minina está demais"!... Sua escrita está madura, extraordinariamente madura. Olhe. Li as duas últimas criações de seu blogspot "El ciclo de un vocativo" e "Coreografia insisível". Me chamou a atenção a sua sempre habilidosa arte de esrever. Como leitor aplicado e seu fã resolvi escrever-lhe esta cartinha de parabéns e de saudação. Ao lê-la, vejo sua mão suave, cheia de ternura e de amor. Vejo nesses dois textos a maneira habilidosa como mede os horizontes da ternura humana, do amor e também da carência. É notável o nível que dá à ficção e ao movimento da palavra. Tanto em "El ciclo de un vocativo" quanto em "Coreagrafia invisível", o mérito é o mesmo. Habilidade. Maturidade. Pintura psicológica das pessoas incrustadas nos personagens. Fantásticos os embalos em torno de Juan, os sonhos, as insinuações, os desejos, a fantasia, os vôos dos pássaros. Vejo a curvatura da montanha ficar perto da planície. Vejo tua literatura seduzindo. Como arte plástica. Bem torneada. Com tintas bem espalhadas, insinuantes, formais e informais, sedutoras sempre. Psiclógicas, frontais, ora alongadas, ora breves e sintéticas. São tintas, instrumentos literários que dão a soberania da posse. Tua ficção ornou-se maravilhosa. As palavras mostram-se ajustadas ao movimento, ao destino e ao jeito da imaginação da tecedeira. Há um tear visível no movimento das palavras e dos símbolos. O texto nasce como ente mítico com seus momentos reais, visíveis e palpáveis. O tear é a máquina que mistura as linhas e as fixa em linguagem . As palavras criam história. Na intimidade da história movimentam-se personagens. E bem na intimidade dos personagens, há pessoas, sentimentos, emoçlões, falas, sonhos, rituais, movimentos de vida. Todo este cenário, bem pensado e bem executado, seduz.Parabéns, minina esperta. Um beijo grande. João Ferreira.

domingo, 13 de setembro de 2009

COREOGRAFIA INVISÍVEL




Não sei o que pensam os pássaros quando, nas tardes de sábado, dormem sobre os fios de alta tensão. Os pássaros têm sábados frustrados. Todas as coisas que podiam ter sido, não foram. Também não sei o que pensam os homens enquanto dormem os pássaros pelos sábados adentro. Sei que os homens têm insônia e fecham janelas. Instituem a escuridão, apagam as palavras e desintegram-se em longos silêncios. As coisas que poderiam ter sido? Não têm importância. Em qualquer tempo há fios de alta tensão e pernas de mulheres com sangue fervendo. Tantas que chegam a ser ignoradas. Despojos do amor? A desproporção criou homens-deuses vulgares e divinizados. Criou profissionais especialistas em argumentação. Braços em torno do pescoço, bocas de estátuas coladas e música para preencher os vazios. Mas o objeto deste texto é o amor. O sujeito também. Amor em construção. Quatro paredes lentas e penosas do lado de cá do horizonte onde pretendo improvisar ninhos e desprender pássaros do sonho.
O tempo urge, razão pela qual me deito, mesmo, à terra. Todas as coisas se revelam e se negam continuamente. Finjo não perceber. Repouso minha cabeça sobre o seio da ignorância. A metafísica rodeia os meus limites. Há coisas se encontrando também fora de nós. A ficção quer escrever minha história. Que imagem faria? Oh! vida, esse tempo desperdiçado dentro do olhar. Minha única tristeza não é triste. Incongruência? Limpe os olhos que este texto tem a loucura da forma. Plasticidade e linguagem. Os literatos, os eruditos e eu, e nada de concreto. Que sabemos sobre os pássaros frustrados sobre o fio de alta tensão? Somos carentes de amor, sexo e sonhos. Somos carentes de sabedoria. Um dia Deus apareceu homem entre os homens e o crucificaram. Daí meu medo de existir. Daí esse silêncio áspero de Sábado. Meus conflitos me apequenam. Gritos surdos por dentro. Somente as palavras são capazes de secar as lágrimas. Palavras e dedos. Dedos escalavrados pelo tempo percorrendo traços e linhas do meu rosto. Doce ternura para quem partiu todos os espelhos e já não mais se reconhece. Eu que tenho em mim o movimento dos outros, o conhecimento dos outros, o idioma dos outros, a reação dos outros... eu sulcada pelos outros e estrangulada pelas minhas próprias mãos. Só o amor me salva. Só o amor produz essa lentidão sagrada de observar pássaros cheio de vôos. O amor sabe de cor os vôos e os movimentos. Conhece o lugar, o istmo onde os homens choram. Os homens são belos, sobretudo, quando choram. Homem-mar numa ilha de chuva. Uma imagem onde me completo. Não totalmente. Uma mulher satisfeita traz em si um ponto final. Eu tenho vocação para reticências e excessos. Amanheço e todas as bocas se abrem. Famigerada fome de idealismo. Não nos basta a vida?
O pássaro olha com todos os olhos, mas nada avista. Tem os sentidos esquecidos. Esqueceu-se de quem era, de como era... só sabe cantar, cantar. Se respirasse uma idéia, tornar-se-ia gente com todo niilismo inerente. Gente que nega qualquer coisa a qualquer hora. Que nega a palavra, a raça, as idéias.. gente que nega a cruz, a história, a colonização... gente que ignora as tardes de sábado quando discretamente um pássaro voa estabelecendo ligações entre as coisas visíveis e invisíveis.


(Do livro A terceira mulher , 2008)

sábado, 5 de setembro de 2009

El ciclo de un vocativo





He creado a Juan en prosa y en verso. Vocativo de mi soledad. Rima de mi pasión y superlativo de mi deseo. La escritura, la historia, el dibujo. Comencé por el dibujo. Yo quería que mi ficción tuviese una imagen que yo pudiera memorizar y repensar siempre en las mañanas. La primera idea que de Juan tuve fue la de una sombra cruzando una senda. Las piernas largas, cadencia firme al caminar y mucha coherencia. El sería coherente de pie a cabeza, desde el amanecer hasta el crepúsculo. Pero tendría una carencia de afecto no muy común en los hombres. Debería llorar por amor y tener deseos sencillos como levantarse en mitad de la noche para compartir una pizza con una mujer. ¡Qué digo! con una mujer no...Conmigo!!! Porque Juan era mío, todo mío. La idea de inventarlo surgió de mí. Le di la vida y por ello, nada más justo que ser exclusiva en la suya.
A Juan le gustarían las flores, todas las flores. Y él sería romántico para que yo no me sintiera ridícula. Tendría rasgos masculinos, simétricos, para compensar el desorden de mi inspiración. Múltiples facetas convivirían en él, la manera desparpajada de un poeta y la audacia de un intelectual, la inseguridad de un niño y la firmeza de un anciano, la dulce sonrisa y la misteriosa mirada, el discurso seguro y la libertad de decir, ocasionalmente, cosas sin sentido. Le gustaría leer y en las largas tardes de domingos abriría el libro rojo en la página marcada con una rosa seca para leerme poemas de Fernando Pessoa: "Ven a sentarte conmigo, Lydia, en la orilla del río..." y yo, Lidya de todas las horas, me dormiría con las últimas palabras del poema de Ricardo Reis: "Yo nada tendré que sufrir al acordarme de ti. Me serás suave a la memoria recordándote así -a la orilla del río- pagana, triste y con flores en su regazo."
Más allá de su vocación por la poesía, Juan habría de ser amable y caballero. Tendría ideas propias que discordaran conmigo alguna vez y debería ser capaz de decir "no" cuando fuese necesario. Hombre decidido que sabría lo que quiere, hasta dónde ha llegado y hacia dónde va. Un hombre que me sorprendiese con cenas a la luz de las velas y con paseos románticos. Compañero en una noche oscura y consuelo en mis frustraciones. Que no me dejase tan suelta, ni tampoco tan presa. Que de vez en cuando arrojase maíz a las palomas, pan a los peces y que le gustasen los animales.
En mi afán de tenerlo pasé días y noches enteras sin dormir, como una diosa que arrastra sus largas trenzas, con los ojos siempre puestos en la llanura, en el cielo, en el mar y en todas las páginas que me pudiesen ayudar a construir mi hombre ideal. Busqué el corazón de Juan en las olas del mar... y su alma en un ligero pájaro que sólo conoce lo transparente del mundo. Quise un Juan puro, libre y suelto, corriendo por un parque o por el sendero de una estrella. Le di la geografía del mundo entero, pero que me saludase siempre con banderas rodeadas de distancias. Su mejor cualidad? El amor. El debía amarme a pesar del viento que sopla las palabras en otras direcciones; a pesar de las mareas que llevan los buques a otros continentes, y a pesar del tiempo que insiste en enterrar siempre las palabras.
Cuando me fijé en Juan, con flores rojas en sus manos, no tuve dudas en correr y aceptar aquel cuerpo todavía lleno de espacios vacíos. Yo era un barco de verano anclando en un mar azul, trayendo el disfrute y creando situaciones. El mar estaba tranquilo, pacífico y lento como nosotros, pero cantaba en la distancia una lluvia fina que fascinaba nuestras miradas. Nos fuimos descubriendo poco a poco, como se descubre un país visto antes en un mapa. Líneas conocidas en el diseño abrían un horizonte mágico. Aprendimos los caminos de las manos y de las puntas de los dedos. Apuntamos en el mapa las referencias de nuestra identificación, medimos nuestras distancias con la lengua y rompimos todos los silencios con el sonido de nuestras respiraciones. Además, desafiamos todo concepto estético con nuestras coreografías nocturnas y dormimos el sueño de los bienaventurados. Teníamos entonces, el diseño y la historia.
Después de la cumbre de nuestra relación, Juan me saludaba cada vez menos. A menudo, perdí el sueño pensando que él podría estar aterrizando en lunas de otros planetas. Aprendí pronto que no tenía dominio sobre mi creación. Más que eso, perdí la sintonía con mi obra poética. Intenté modificarla, reinventarla, aceptarla ya con otras influencias, contenerla con poderes telepáticos... pero nada. Las noticias me llegaban lentamente, algunas veces ya vencidas. Juan vivía otras pasiones, pasiones silenciosas, contenidas, circunscritas.
En una tarde, enferma, mientras yo trataba de descubrir mi error, mi primer error, sentí los pasos sordos de Juan acercándose. Se movía con inconsistencia. Estaba lejos de ser el mismo. Amor desgobernado por los vientos de las maravillas. Distancias invertidas, direcciones opuestas, ojos que confabulaban palabras cortantes. Yo lo ataqué con la fuerza de una desequilibrada bestia herida, y caí con el cuerpo sangrante. No sé si fue por defensa, compasión o desprecio, sólo sé que Juan me mató, y me dejó flores para decorar mi muerte. Terminé como Lydia "triste, pagana y con flores en su regazo." Se hizo el dibujo, la historia y la escritura.



quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Soñando

Este poema foi escrito por um amigo Venezuelano, Fredy Covas, após leitura do meu texto "Do coração de uma mulher".
Muchas gracias, Fredy. Es un honor.


He escuchado de tus manosl
o que un día escribiste sin saber de mí.

Eramos tú y yo nada más.
Arena, aire y cielo,
pero solos tú y yo.

No levantabas tu mirada,
ni yo podía quitarte la mía.
Desnuda escribías mientras yo leía tu pensamiento
y desnuda te veía con maravilloso asombro.

La gasa vaporosa que te envolvíame
dejaba ver,
a pesar de que tu pelo tapaba tu rostro,
tus manos, tus pies,
tu ombligo, tu espalda,
tus piernas, todo tu ser.

Al terminar tu escrito,
te descubrí, aunque ya estabas desnuda.
Y mi mano te ofrecí.
¿Quieres que caminemos desnudos?
¡Claro! dijiste...
Y así anduvimos, silenciosos y riéndonos a trechos.
Te tomé entre mis brazos para hacerme tuyo
sin que otra cosa pudiésemos hacer.
Y fuímos el uno del otro,
como si nos amáramos por culpa de la oscuridad, por haberte leído el pensamiento...
y por ser quien eres...