domingo, 28 de agosto de 2011

 imagem: google

Ah, o amor...

O amor não aprende com o amor, tem sido assim desde sempre. Todos conhecemos histórias lendárias. A literatura nos fornece elementos de sobra para verificarmos as diversas artimanhas que tem o amor para apoderar-se do coração das pessoas. Penélope e Ulisses, Dante e Beatriz, Tristao e Isolda, Romeu e Julieta, Dom Pedro e Inês de Castro... Conhecemos de cor os símbolos pelos quais o amor é representado, o arco, a flecha, o mito do cupido que manipula a flecha até acertar o coração dos mortais, mas é um conhecimento que não produz imunidade.
No romantismo, em uma época em que os casamentos eram arranjados, os jovens apaixonados tinham seus finais no segundo ato.  Acabavam nos conventos, na miséria, ou mortos. Outro mito, este cunhado pelo romantismo foi o vampiro. Inventado por Byron e ressuscitado atualmente pelo cinema. Um mito que passou por Drácula de Bram Stocker, como um exercício de libertação, a paixão que nos liberta do eu. As amantes se entregavam completamente ao Conde Drácula, a ponto de lhe oferecer as próprias vidas. Por meio do amor elas se transformavam em um vampiro, de modo que alcançavam a vida eterna. Algo que vai ao encontro do que disse o ensaísta suíço Denis de Rougemont, de que estamos presos à matéria, presos no interior de nossos corpos e a paixão, enfim, permitiria transcender esse aprisionamento carnal.
Rougemont ficou conhecido por escrever no livro A história de amor no ocidente que “o amor feliz não tem história. Só o amor ameaçado é digno de um romance”. Sem querer polemizar, pergunto: quem já não teve um amor ameaçado ou uma história digna de romance? Se alguém não teve, é melhor ter. Passar por esta vida sem sentir o desejo de escapar de si mesmo e fundir-se com o outro é  não ter vivido plenamente.
Não existe sentimento mais forte do que uma paixão. Algumas são descomunais, terríveis, de derreter os miolos. É arder em febre com lábios e olhos intumescidos e o pensamento se esvaindo como fumaça. É entrar pela porta da lembrança e recordar gestos, pulsações, movimentos e mais uma procissão de acontecimentos que queimam como labaredas. É puro breu.
O consolo é que não somos únicos, sem contar que há narrativas bem piores que as nossas. Não são raras as histórias de amor com finais trágicos. Tristán morre nos braços de Isolda, Julieta nos braços de Romeu. Em Eneida, a rainha Dido se suicida ao ser informada da partida de Enéas. A inteligente Cleópatra, que tinha uma explícita debilidade por generais romanos, presencia o suicídio lento de Marco Antônio na tumba que dividiu com ele. Por causa de um tremor no coração de um homem, Tróia é destruída e junto com ela uma lista de homens ilustres (Heitor, Aquiles e o próprio Páris...) seduzidos pela magia de Helena. Não é à toa que a paixão nos amedronta.
 As histórias são tantas que não há um único ser humano que já não tenha se dedicado à leitura do tema, ou pelo menos dedicado à temática boa parte de seus pensamentos. Todos temos nossas próprias histórias para contar, nossas pequenas tragédias, nossas paixões concretas, escondidas, recolhidas que tocaram o céu, ou o inferno em algum momento. Mas, apesar da nossa pretensa experiência, o amor continua a ser matéria obscura, o reino da confusão e do enigmático. Continuamos a padecer das mesmas ingenuidades, a esperar durante horas por uma chamada telefônica que não chega, a gemer de raiva por sentir fraqueza, frenesi e ser capaz de oferecer ao outro o sacrifício de sua própria inteligência, para não dizer que emburrecemos quando nos apaixonamos. Outras vezes sentimo-nos ridículos, alienados ou envolvidos num amor perverso do qual já se prevê o final: desgraça.
O problema é que somos seres tão pobres, tão precários, tão pequenos, tão egoístas, tão centrados em nós mesmos, em nosso próprio umbigo que não sabemos mensurar o amor. É possível que não saibamos amar. Muitas vezes sepultamos o amor em nome de nossa covardia, nossa vaidade, nossas dúvidas. Acostumamo-nos ao óbvio, ao que pode ser manipulado, às falsas estruturas da compreensão que estão sob o nosso controle como uma forma de preservar nossa condição de seres suscetíveis a paixões malsucedidas.  Mas uma hora dessas a flecha nos acerta no primeiro ataque, os riscos envolvidos são grandes, entretanto, recordando os versos de um poeta português que já quase um  clichê, sempre vale a pena se a alma não é pequena. 
Lucilene Machado