sábado, 4 de abril de 2015

Fazer amor é muito difícil





Fazer amor é muito difícil

Em uma sociedade hedonista que tem o prazer como supremo bem da vida, fazer amor está fora dos propósitos. O usual é fazer sexo, embora se utilize a terminologia do amor, o que sugere um pouco de confusão.  Fazer amor requer dedicação, cumplicidade, sentimentos, doação, palavras, silêncios, confiança, poesia, autoria e coautoria, paciência... para não falar de outros tantos conceitos já em desuso. Mas, as mulheres teimam em fazer amor. Para nós, fazer amor é a coisa mais sublime do mundo. É beber o tempo que vai escapando do relógio, gota a gota, delicadamente, costurando ao prazer toda espécie de sensação. Até a paz participa do processo sem nenhuma cerimônia e parece se demorar sobre os corpos estendidos.
Fazer amor para nós é invocar. Corpo, alma e espírito. Um ato que compartilha sonhos, esperanças, expectativas e, rejeita, veementemente, a separação. É querer estar juntos em uma mesma eternidade, ainda que o eterno exista apenas na ficção. É participar de um jogo de sedução cujas regras estão delicadamente afinadas com as expectativas de ambos.
Fazer amor não é alcançar um orgasmo e sim alcançar algo que nos faça superar o alvoroço das manhãs mal nascidas e mergulhar em um silêncio onde seremos capazes de ouvir a alma tocando flauta. Quem faz amor é capaz de olhar as coisas por dentro, recriar as gentes que o cerca, emprestar os sonhos às ruas e caminhar sobre eles. Mas os homens não estão muito dispostos a fazer amor. Alguns nem sabem o que é isso e poucos se dispõem a aprender. A grande maioria acredita que é ter boa potência dentro das possibilidades  naturais de macho.
Para evitar frustrações, boa parte das mulheres guarda os pedaços sensíveis de si em um cofre blindado e jogam a chave em lugar desconhecido. São convencidas a fazer sexo. Os argumentos são bastante conhecidos, dá menos trabalho, além de não  correr o risco de ser descascada, como uma cebola, pela paixão. Mas no fundo, as mulheres não são iguais aos homens. Nunca fomos, nunca seremos. Mulher é um ser complexo que tem todo tipo de vento por dentro e quer se deixar rodopiar conforme as insondáveis direções. Uma mulher tem incontáveis portas fechadas as quais gostaria fossem abertas pela diligência masculina e, na falta dela, enfrenta-se a frustração.
Estamos, sim, frustradas. O sexo pelo sexo nos deixa só. Ficamos como a pedra que o rio gastou, o botão que não se abriu, a moeda que comprou a sorte... Fazer sexo é ensaiar abraços que não vieram. Ouvir promessas  não ditas. Caminhar manca, pisando desigual, em ruas áridas, cuja aspereza danifica  os pés.
Fazer sexo pelo sexo é ter espinhos ferindo os sonhos.  É sacolejar feito um corcel sem dono esperando ser feliz em alguma narrativa futura. Algumas de nós se conformam em uma gaiola de ouro e se autojustificam com as respostas mais práticas possíveis. Utilizam relógio que só marca a hora atual e varrem o tempo das frustrações para o lado de fora da jaula.  Algumas vão morrer sem nunca terem feito amor. Têm consciência disso, porque uma mulher sempre sabe a diferença. Uma mulher desenha, ainda que em suaves contornos, o amor que gostaria de celebrar. São telas enormes que dominam todos os cantos da casa, todos os cantos da vida, entretanto, nem sempre encontra um decifrador à altura.
Eu também já pintei telas. Casinha com portas abertas e luzes acesas se oferecendo na noite como faíscas. Perguntei ao observador se entendia, ele respondeu algo baixinho para eu não ouvir. Deixei-o falando sozinho e lhe atirei o silêncio de muitos anos. Depois, como as demais, inventei portas para minha casinha. Muitas portas...
De qualquer modo, é melhor não ter expectativas, fazer amor é mais necessário do que nunca e mais impossível do que nunca. A obra de David Buss Psicologia evolucionista, com 600 páginas, dedica 180 à sexualidade e apenas duas ao amor. Segundo ele, “o amor talvez seja o indício mais importante para o real desejo de vínculo”. Uma definição frágil para algo que nos é tão especial e ocupa tão grande espaço na psique humana.
O filósofo espanhol Jesús Gonzales Requena admite que fazer amor é algo especialmente difícil. O sexo é uma dimensão extraordinariamente inquietante porque atravessa uma fronteira corporal, choca com a carne, em seu aspecto mais matérico  e imediato e volta para o inconsciente. Trata-se de uma escritura feita em pele viva, dolorosa, com a qual o homem não pode viver todos os dias. Por outro lado, reconhece que o ser humano não pode ser visto como uma máquina ajustada para o sexo, uma máquina composta de peças que se ajustariam sem problemas num mecanismo bem engraxado.  
Entre volúpias e esquecimentos, teorias e contradições, perdem as mulheres, perdem os homens. Já não se exercita a arte de saciar a fome, de riscar o fósforo e enxergar o amor oculto no clarão, já não se tem a oportunidade de labaredas, não se exercita a magia, não se exercita a arte de viver e, viver ainda é uma arte. 
Lucilene Machado