sábado, 17 de dezembro de 2011

O amor, o belo e outras magias


O amor, o belo e outras magias

Há noites em que ele quer falar. Falar com a voz, com os olhos, com as mãos... Falar mansamente, com gestos que me parecem escolhidos. E eu escuto calada para não arranhar seu romantismo com minha aspereza. Hoje, entre outras coisas, sinto a cota de aspereza altíssima e estou consciente de que só poderia falar do óbvio. Diria frases terrivelmente exatas, apesar do meu existencialismo inato, da minha náusea sartriana, da minha vocação para as sombras interiores... Às vezes a vida suga toda minha sutileza, sem nenhuma clemência, de forma que eu me jogo na cama, com o meu corpo continente  esvaziado de palavras.
Tento experimentar verbos de ação para operar sobre a realidade pungente. Mas o único verbo que passa pela minha mente (ou pelo meu corpo) é o verbo amar. Amar na forma transitiva direta, do sujeito ao objeto. Ele não capta a mensagem e quer exprimir sentimentos, fazer galanteios, amar na forma mais abstrata da língua. É tão difícil exercitar a linguagem a dois. Sobretudo quando  envolve linguagem verbal e não-verbal. Como diz Adélia Prado “quem entender a linguagem entende Deus, cujo filho é verbo”. Isso me faz tremer. Eu e minhas verdades inventadas. Minha mania de mesclar sagrado e profano, de enrolar e esticar frases... Não ouso abrir a boca, minhas sensibilidades andam desgovernadas. Com meia dúzia de palavras sou capaz de erguer trincheiras de arame farpado. Mas me contenho. Sei que muito tempo vai passar sem que eu veja algo mais sensual do que essas mãos brancas executando coreografias no ar. Não são as mãos pelas mãos. É como se fios de eternidade se desprendessem de seus dedos e atassem o meu passado ao futuro.
Parece grotesca a comparação, mas lembra minha mãe esticando um melado de açúcar que era transformado em balas. A alquimia encantava meus olhos de menina. Provavelmente, ainda hoje encantaria. Conforme minha mãe puxava o melado quente com as mãos, uma cortina de fios dourados se abriam e novamente eram torcidos  até se amalgamarem em uma corda dourada cortada rapidamente em formato de balas. As balas mais lindas que eu já vi. Meu prazer em presenciar a cena era maior que a degustação do doce. Por momentos, eu ficava hipnotizada. O que me faz pensar que nada é belo em si mesmo. Tudo tem uma história, um contexto, uma performance, uma sedução. O encantamento pode não estar no produto final.
Volto os olhos para o homem que por si mesmo não é bonito. Mas alguma sensibilidade, alguma simplicidade ou aspectos que não consigo mensurar entram na matéria dele e misteriosamente o reino Olimpo da beleza se posiciona à minha frente. Viver passa a ser tão mágico quanto fazer balas de açúcar. Uma segurança estranha adentra o meu ser. Sinto que posso abrir o coração sem nenhum perigo e ser a mulher que sou, sem nenhuma máscara. Existir passa a ser esse algo completamente fora do comum, e a  linguagem, posso dizer, foi apenas um pretexto para continuar a acreditar que o amor faz todas as coisas mais belas.