sábado, 30 de janeiro de 2010

TERNURAS ESCULPIDAS


TERNURAS ESCULPIDAS

Continuo a não compreender as palavras. Continuo sem saber o sentido que dou para esta ou aquela verdade. Há tantas verdades enroscadas no meu cérebro! Ainda me impressiono, por exemplo, com os sorrisos. Mesmo quando não são dirigidos a mim. Há um desses pendurado no meu pensamento. Um sorriso branco que me humilha. Alguma coisa me é despertada por dentro e me faz sentir tão pequena, quase nada. Mulher sexo frágil. Seria isso? O espírito resiste dentro de um vaso fraco. Resistir a quê? À sedução de um sorriso alheio? Sentir é a forma mais irracional do saber. Torna-se intrigante explicar. O coração fica de um jeito esquisito. Parece uma flor se abrindo e tendo de se fechar imediatamente. Uma quase dor. Uma martelada no cérebro: “você está cobiçando o sorriso do próximo!” Tentação deve ser isso. Você é tentada a continuar olhando enquanto trabalha a matéria bruta do seu pensamento, ou, matéria bruta do seu corpo. O corpo informa mais que o cérebro. E você olha, olha... e ainda leva a imagem retratada no olhar. Depois fica analisando a geografia do sorriso: comprimento, largura, relevo, umidade... e começa a traçar mapas.
          Carrego tantos mapas de sorrisos. Longitudes impressionantes! Escondo todos. É como se fosse uma violação à lei natural. Não se pode teorizar um sorriso. Sinto-me a própria rainha de Sabá. Utopia? Detesto esta palavra. Quero dizer, detesto o significado dela. É quase irmã da angústia. Guarda medo e desafio. Uma palavra muda. Não pode ser dita de qualquer modo, necessita certa fundamentação. O que vem contrariar os meus princípios estruturais. Escolho minhas palavras à revelia. Saio pelo mundo catando obsessões, colecionando sorrisos, respirando a beleza do que está fora de mim.
          Na verdade, eu nunca quis ser uma intelectual. Sou comprometida com a ternura. É a maneira mais fácil de ser feliz. Vi na vitrine de uma loja de brinquedos um robô-soldado com movimentos carinhosos e ternos. As lágrimas quase saltaram dos meus olhos. Por instantes, não consegui qualquer raciocínio. Sensibilidade afetiva humana. Pense o que quiser. A ternura pode não ser humana. Pode não ser um sentimento, uma emoção... a ternura pode ser apenas um impulso. Um impulso capaz de nos deixar estáticos. Ou, poderia dizer que, a ternura é um soldado invencível. Seria esta a lição do artista? De que adianta transformarmo-nos em verdadeiros robôs se só a ternura poderá vencer os conflitos?
          De súbito comecei a me perguntar o que pode ter passado pela mente do autor durante a concepção da obra. Por certo, fartura e carência; requinte e rudeza; guerra e paz; intuição e ciência; tradição e pós-moderno... Quantas antíteses! Por outro lado, os movimentos ternos do robô podem ser conseqüências de alguma falha do mecanismo robótico. Mas não gostei dessa hipótese. Um pensamento fácil e realista. Olhei novamente, de esguelha, para o boneco. Se o artista não é um gênio, a obra é um milagre. Há uma magia qualquer que aciona um ponto dentro da gente. Um ponto de felicidade. Como a vida é secreta, meu Deus! Minha missão neste mundo é apenas viver. Compreender é pretensão. E o tempo é pequeno para que um dia eu venha a aprender algo mais concreto acerca de bonecos e robôs.



cena do filme Jornada da Alma (The Soul Keeper, 2002)

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

SECUENCIA DE SUEÑOS





SECUENCIA DE SUEÑOS

           
Por hoy, yo necesitaba solamente una botella de vino para embriagarme. Espíritu dionisiaco a beber un sueño. Pero el cáliz de la realidad no me permite ganar la eternidad del cielo de una boca o cualquier otro paraíso hecho de suspiros y  palabras. La razón no entiende la emoción. Los enfrentamientos y las estafas. Enamorase merece la pena por el silencio que engloba, por  lo que no podemos decir, por lo que no podemos preguntar, porque muchas veces las preguntas no son posibles.
            Me inclino a lo largo de la barandilla de una ventana que no me pertenece. Nada me pertenece. Pocas personas en el mundo son tan desnudadas como yo. Tengo una desnudez que me duele. Una desnudez que quiere ser dividida. Es sublime donar un pedazo de si. Una mutilación que edifica  sueños. ¿Cuántos sueños son necesarios para desentrañar el misterio de un hombre? Tal vez ninguno. Es posible se desintegrar los átomos de un hombre con actitudes. Con algún impulso de la sangre latina se puede disfrutar preciosos descubrimientos. Pero el amor es otra cosa. El amor es el nombre que busco y para el cual  me encontré derrotado un par de veces. Fue infeliz en todas las felicidades. Mi alma es una capilla vacía esperando por un ángel. Un ángel lleno de pecados a hacerme confesiones.
            La luna arrastra el futuro por caminos inexplorados. Quiero estar viva lo suficiente para viajar con mis ilusiones por estos designios. Ya no estaré confinada a un rincón del mundo con esta sobrecarga de imágenes. Ya no necesitaré pensar, no necesitaré concentrarme en los amarres del texto que tiene cuerpo de crónica. Eso extiende mi angustia. Yo quería pensar sin formas, pero no puedo. Todo acaba formalizado. El miedo de la decepción, el miedo de no tener miedo... Cada palabra tiene su precio. Soy víctima de un sistema colectivo de conexión de ideas. Incluso el amor tiene su propia terminología. Incluso el amor tiene su ciencia. Pero hoy estoy incurable. Quiero un amor de bar. Un amor sin prisa y sin causa. Es porque lo es, porque tiene que ser. Un amor sin historia, sucediendo al acaso, como si yo nunca hubiera soñado nada de esa naturaleza.
            En realidad, cuando se vive a miles de noches, ya no se puede saber en cual noche antigua, muy antigua, se plantó el sueño. Debe ser cuando afeité las piernas por la primera vez, usé tacones y todo el mundo se dio cuenta: "esta niña creció, está se haciendo mujer." Se completó un ciclo. Nunca volví de nuevo al ático para jugar con muñecas. Sí, volví sí, para a ver de las alturas el destino que se levantó de la tierra. El destino tenía cuerpo y olor de hombre. Me sentí avergonzada de mis sentimientos sin vergüenza. Avergonzada de mis pensamientos audaces. Mi cuerpo era un mar con necesidad de muchos ríos para satisfacerlo. ¿Era así con todas las chicas? La pubertad, he escuchado en la clase de ciencias. Sólo no hablaran de la necesidad de la simbiosis del espíritu. Pero, instintivamente comencé a buscar el verdadero amor. Raras veces lo viví por entero. Yo quería lograr con la mano lo que está a la altura de la inteligencia.
            Esta memoria afectiva me hace cansada! Yo podría decir que hoy estoy lista para el desafío, pero el amor tiene rasgo desconocido para mí. No puedo hablar de la anatomía. Tanta belleza en una. Tanto pecado en el mismo pecado. La redención, el perdón... Eros, ágape, filia... gravitar alrededor del otro... mejor bucear en un vaso de vino y lamer la emoción altruista (o es egoísta?) de haber escrito esta página.


quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Comentários do meu amigo-leitor João Ferreira, que escreve lindamente.





             Lucilene

          Gosto imenso de ler tuas crônicas. Ao lê-las sinto a bruxaria tecelã enredando, sublimando, engrandecendo, elevando. Dá-me a impressão de te ver sentada num tear matricial onde controlas os fios com que vais tecendo a narração. Um fio daqui, outro dali. As pontas rapidamente se transformam em sujeitos e personagens. Em pouco tempo a linguagem é toda movimento. Ao leme há sempre um sujeito-autor comandando o sujeito- narrador que é sempre a mulher. Mulher que é arquétipo, gênero, indivíduo, ente ficcional, ente real, ente desenhado, mulher eterna e mulher... até biodegradável... Tudo o mais que sai deste tear matricial e mulherial é fio para tecer imagens, personagens móveis, possíveis, personagens decaídas, decadentes, personagens divinas, elevadas, personagens de desejo e personagens de vida real. A crônica plástica usa tintas variadas e exige talento para pintar quadros destes. A Lucilene Machado ora é tecelã, ora pintora, ora mulher, mas nunca deixa de ser escritora. Eu leio suas crônicas, Lucilene, e devo reconhecer que fico enleado com a plasticidade literária de seus textos. Você sabe costurar. Costurar palavras não é fácil. Fazer literatura é conseguir a transição da palavra comum e pesada do dicionário para o nível literário, metafórico e ágil da linguagem. É uma tarefa que exige talento. A Lucilene tem este talento. Por isso fala até da mulher biodegradável. Em seu texto, as palavras se atrelam, se erguem, se definem, se acoplam, fazem sentidos, arrastam, criam relações com arquétipos e sentidos como se fosse a própria linguagem semiótica. Em sua prosa há sempre um sujeito, que é a mulher. Todo o resto são fragrâncias, são rendas, são pinturas, arquiteturas, músicas. A mulher irradia e à volta dela criam-se cintilações, iluminações. Há bailes e festas, há movimento. A mulher os conduz. Há amores: a mulher os tece. Há ódios ou suspeitas: a mulher os contorna. Literatura é isto. Imaginação criadora.






Beijos. João Ferreira

sábado, 9 de janeiro de 2010

MULHERES BIODEGRADÁVEIS










          Eu pertenço a uma geração de mulheres biodegradáveis (ou biodesagradáveis?), que se espalham, se dissolvem e desaparecem sem deixar menores partículas. Mulheres que habitam um mapa superaquecido e se decompõem facilmente por não oferecerem resistência. Seus cadáveres são expostos em praça pública e seus microorganismos avaliados cientificamente. Arrancam pecados de seus estômagos, ironia de seus rins, enquanto suas almas atravessam paredes e janelas. Faço parte dessa classe de mulheres que apagam suas histórias para não poluir a natureza e suplantam a vingança para não destruir o planeta com uma exacerbada energia negativa. Mulheres que inventam rios e chuvas. Cruzam a água e chegam molhadas na hora em que os débeis não estão preparados para recebê-las. 

          Sou dessas mulheres etéreas, quase voláteis. Costumo escapar por entre os dedos da eternidade enquanto a vida respira cotidianamente em ritmos de procissão. Mulher que se inventa em destinos gozosos, impossíveis, fazendo-se terna e selvagem. Procura homens que disputem sua inteligência, entretanto os homens estão ocupados em suas infinitas memórias sexuais e seus sonhos freudianos. Presos em suas falsas muralhas, cobertas de ciprestes que espinham, mas são vulneráveis ao opor resistências. 
          Foi por esse ponto frágil que adentrei várias vezes ao mundo masculino, dissolvendo-me em todas as tentativas. Com Ed também foi assim. Ele tinha a essência do vento oceânico em sua respiração. No início achei que não devia. Suas mãos manejavam sonhos jurássicos e seus olhos liam livros cujas letras caíam de suas folhas. E eu, carregada com essa consciência ecológica, habituada a ser poema sem livro, pensamento sem recordações, roteiro de personagens ímpares sem cheiro e sem rastros, fui contornando a situação. 
          Ele era quase feliz, embora estivesse abandonado, embora estivesse intoxicado com seus próprios pensamentos. Como assinalou Joyce, estava feliz, perto do coração selvagem da vida. Não buscava amores, mas não relutou mediante minhas tentativas que poderiam levá-lo a algum paraíso esquecido, ou ao nada. 
          O mundo da palavra é uma possibilidade infinita de aventura. Foi por aqui que iniciamos. Percorremos a cidade por cima, como duas gaivotas perdidas em terra estranha. O fio condutor me pertencia por condição literária, mas nunca deixei de ouvi-lo. Pescado vivo dentro de sua realidade, era um personagem real caminhando por vias oblíquas, bem próximas das relações verdadeiras e consolidadas que podem dormir ao som do mar ou à luz do sol, ao meio dia. Nos perdemos nos bosques distantes só para ter a surpresa de nos reencontrarmos. Dias e noites de intensa paixão. Mas logo veio o impacto do instante agudo, sem nada dentro. Um silêncio que me traía, que me expunha, que queria estar comigo. No destino das mulheres há sempre um absurdo. Às vezes a vida toda é um absurdo. Ed não suportou o meu silêncio. Tomou decisões dramáticas, sérias e descabidas. Aparentou ferocidade ao precipitar o curso das coisas, tentou salvar uma de minhas partículas, minha primeira célula, como se isso fosse possível. Nada. Do todo, restou minha presença espectral e o estranho bater de um coração desconhecido que pertence ao narrador (ou narradora?) que é pessoa lá de fora, obrigada a ser neutra, a ser comum, a ser normal ainda que só se revele aos sensíveis e loucos. Devo acrescentar ainda que este é um conto de ficção, qualquer semelhança com a vida real é mera coincidência, principalmente se for com a sua, Ed.

sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

BIOGRAFIA DE AMORES (texto XI)








BIOGRAFIA DE AMORES
Texto XI


          Desci do trem pensando em como seria a vida depois dele. Arrastei a mala, muito mais pesada que antes, sobre a superfície íngreme do meu destino. Segui devagar, não queria que o ranger das rodas denunciasse qualquer som mórbido. As marcas de tristeza não devem aparecer para não infectar os que merecem estar felizes a nossa volta. Chutei uma pedra imaginária como uma forma de desabafo, como uma forma de dizer “ó vida, e agora?” O frio me agarrava pelas costas golpeando os meus ossos. Lembrei-me dos dias anteriores. Lembrei-me da sala entulhada de imagens, da lareira e do fogo a nos vigiar. Éramos dois. Quase um. Nossas poucas palavras jaziam entre cinzas e chamas, e o frio com seu vulto surdo-mudo nos fazia sombra. Vez por outra ele atiçava as labaredas com as mãos desnudas. Um gesto que me excitava. Sua língua sorvia o calor ardente da lenha para me aquecer os seios. Nossos corpos eram nossas almas. Nossos sonhos e peles se misturavam. Toques e aconchegos. Víamos por dentro. Viver, amar e ser amado. A vida passa por essa gradação e eu obedeço. Nunca me disseram que eu deveria ser amada para amar. Aprendi só a me envolver com a paixão, muito mais que com a história. Daí que a paixão acontece fora do script, aquém de seu tempo determinado e me deixa com o espírito cheio de interjeições, mas não maldigo os desacertos. Gosto de perambular, sem defesa, pela rota do imprevisível. Algo não aconselhável, só ouso porque sou capaz de suportar as agruras posteriores.
          A casa dista cinco quadras da estação. Arrasto a mala como quem arrasta um planeta. Vários faróis se alternando em verde e vermelho como se alternassem também as interjeições: “siga! Olhe! Cuidado! Aproveite! há esperança, há amor... fuja! Nenhum médico poderá salvá-la! Você será afogada no rio do tempo sem nenhuma gota d’água, etc., etc.”
          A sensação causou-me vertigem. Meus olhos resvalavam nas paredes antigas dos prédios. As ruas estavam molhadas e me pareciam perturbadoras àquela hora da noite. Tudo parece perturbador ou fabuloso quando o coração está inquieto. A cidade me olhava como um homem olha uma mulher e ia soltando seus ruídos. Sibilinos como o som do vento nos vitrais, durante as noites de insônia. Senti-me forte cidadã dessa selva de pedra cada vez mais gélida. Oh Deus, também eu? Creio na imortalidade da palavra. A palavra dentro de sua esfera. No princípio era o verbo e o verbo era Deus. Mas para o amor não há manuais. Algumas palavras já foram vendidas como pão e peixe. Fortalecem, ajudam a resistir. O amor jamais me esgota quando vivido em palavras, mas os abraços me arrancam o delírio, me arrancam as ilusões. O corpo fica dolorido quando a palavra voa. Recordo-me de tantas coisas que volto a ter medo.
          Desci a rua pensando nisso. Atravessei o parque, um cão saltou à minha frente, louco com o frio que lhe atravessava a carne. O focinho pontiagudo parecia aspirar o melhor do mundo, como se o melhor do mundo estivesse à altura de seu nariz. Os cachorros não têm antecedentes históricos, não sabem que Homero não existe mais e que a civilização, que se deu a duras penas, parece estar regredindo. Somos outra vez bárbaros. E o estado, como vociferou um antigo filósofo, é o mais frio dos monstros. Não sou ingênua para contrariar essa opinião. Não discuto, acompanho os acontecimentos. Eu e o cão não temos futuro amoroso, mas estamos neste texto a contemplar essa coisa nenhuma que é a cidade vazia de sentimentos.