sexta-feira, 30 de outubro de 2009

PALABRAS DE MUJER


Palabras de Mujer


Suelto los zapatos en la escalera, me cambio de ropa, me olvido del cuerpo en el diván y me hago espía de mis pensamientos. A veces es difícil ser mujer, tener esa capacidad de la hembra que presiente el nacimiento antes de la concepción. Esa intuición de
que amará, esa certeza de que sufrirá, y aun así ama, lleva los afectos, lleva lazos indisolubles, sentimientos destorcidos que siempre supo y defiende con una furia indescifrable.
Ni siempre es fácil ser mujer viviendo ese dilema de caminar al borde de las oportunidades, ser guiada por los imprevistos y casi enloquecer sin saber al cierto lo que siente, o lo que esta condicionada a sentir. Nada es tan simple para una mujer. ¿Cómo explicar que me mojé en la lluvia? Y mientras todo el mundo corría, yo caminaba aprovechando la sensación de estar mojada bajo los cielos.
Con el cabello sobre los ojos canté el coro You are so Beautiful. Canté para mí. Siempre miento para mí. Desde niña cuando dije que el único hombre de mi vida debería ser mi papá. La mujer adora mentirse y también jurar. Jura por la madre, por los hijos e incluso
por la lluvia que recorre su cuerpo penetrando la boca, orejas y nariz en un Singing in the rain sin besos ni paraguas. Y después conserva la imagen para recordar, porque la vida para la mujer es siempre retrasada, nunca pasa en vivo.
Me canso un poco de ser mujer. Tener que llevar esos anhelos, esos pedazos de historias pegados en papeles, ese romanticismo del final de la noche, esa locura y paradójicamente esa lucidez de vivir cada cosa en el limite. Me cansa llevar en la palma de las manos esas líneas sin motivos, esos planes contradictorios, esas raíces misteriosas, esas fibras húmedas.. ¡Me cansa!, me cansa, sobretodo, esos sueños que no caben en el cuarto, ese origen latino, ese océano interno, esos vegetales acuáticos, esas hojas creciendo, incansablemente, en busca del sol.
No es tan simple ser mujer. Toda la estadística humana pasa por nuestros vientres. Todos fallan a igual que cada éxito tiene nuestro dedo. Hay siempre un soplo de mujer en un corazón que palpita. Soberana o sumisa es reina. ¿Será que escapo a la regla? Yo con el cabello mojado y una debilidad anticuada, un mirar a la vida de reojo, intentando encajar las cosas donde no alcanzo, tanteando en la oscuridad los momentos que pasaran sin adivinar mi reacción. Las mujeres reaccionan extrañamente según la estación, según cada curva, cada lluvia. Y modifican en cada viento, cada corriente de aire, cada cambio de tiempo y menstrúan, embarazan y lloran sin ser, necesariamente, este el orden. La mujer llora sin motivos pero nunca sin emociones. Llora mirando los rincones oscuros de la casa, mirando los rincones oscuros del alma, y a veces no recuerda la razón por la que esta llorando, tal vez es una manera de decir cosas sin palabras, expulsar memorias, cosas mezcladas, resentidas, desordenadas… Y antes que comience esa acidez en mi boca, pospongo la tristeza y canto nuevamente "You are so beautiful".


L.M.

terça-feira, 27 de outubro de 2009

Jornada da alma

Jornada da alma

Queria lhe contar que assisti ao filme Jornada da alma que relata o amor de Sabina Spielrein, uma judia russa e seu psicanalista, nada mais que Carl Gustav Jung . Um drama real que abalou as estruturas da psicanálise. O amor deles era tórrido e quase secreto, como o nosso. Amantes sem quarto, amantes sem rumo, amantes à margem da história. Ele era casado, velava pela imagem de discípulo de Freud, além de uma racionalidade enriquecida pelos princípios psicanalíticos, o que o fez abdicar do amor em nome de uma posição acadêmica e intelectual, isso após experimentar uma felicidade brutal com Sabina. No entanto, saiu elegantemente do palco, sem um fio de cabelo fora do lugar, evitando reflexões e apegando-se aos farelos da teoria.
Ela era colérica, sempre às voltas com os imbróglios, com as cólicas e contorções que a vida lhe impunha. Tinha o desespero das palavras. Movimentava a caneta com o pensamento e empurrava para um diário a dor que lhe impingia a alma. Os gritos da revolta misturavam-se à doçura de seus sonhos encantados. Sonhava com marte e com todas essas coisas impossíveis que povoam a cabeça de uma mulher. Guardava notas de piano como recordação e esculpia gatos em argila. Viveu a loucura vigiada por paredes ásperas e chão frio. Rodopiou por jardins entre árvores grandes e molhou-se com o próprio sangue. A sanidade lhe fugia por entre os dedos. A mesma sanidade que mais tarde a fez conhecer e desconhecer o homem.
O amor foi o ponto forte de intersecção entre eles. Devotaram o melhor que tinham. O corpo, a alma. Ofereceram-se em libação, absolutos. O corpo em sacrifício da mente. Atingiram o ponto mais sublime do amor. Expandiram-se mentalmente. Atravessaram espaços incomensuráveis até a relação escapar-lhes num final fatídico. Ele acovardou-se ancorado em boas justificativas. As palavras medidas e calculadas abriram feridas no corpo de Sabina. E ela, excessiva em sua paixão, adoeceu de uma dor cruel, sangrou, tentou todos os lenitivos possíveis e, numa avalanche de revolta, seguiu para um outro país. O seu país. Precisava diluir aquele amor. Precisava viver. E viveu. Era resistente como uma fênix. Mas nunca deixou de amar aquele que era o seu homem, sua alma gêmea. Chorou no escuro, escreveu cartas, dançou sozinha, teve febre de silêncios e morreu sem olhá-lo nos olhos outra vez. Quanto a ele, teve ainda muitos anos de vida, filhos e uma carreira muito bem sucedida. Se foi feliz? É possível que sim. Os homens costumam confundir coragem e covardia e dificilmente se culpam por rasgar a alma de uma mulher.
Daí, você deve estar pensando que escrevi nas entrelinhas. Que Sabina sou eu. Eu tateando no escuro para achar palavras de significados concretos que lhe atinjam por caminhos indiretos. Eu que vivo a desordem do meu vasto querer e não me importo em arriscar a vida, porque creio que só assim se vive plenamente. Eu que já vivi o claustro da loucura e sonho com coisas impossíveis. Eu, ariana impulsiva regida por marte. Eu que não tenho medo de recomeçar, que não preciso de pátria, etc e etc., sobretudo, eu que tive a alma rasgada no momento de sua maior lucidez.
É verdade que Sabina se parece comigo. Vi retratada nela a minha loucura de viver e chorei porque me vi num espelho. Todas as coisas que a sufocam estão em mim. Mas sou diferente. Não morreria amando um homem que se acovardasse por qualquer que fossem os motivos. Ainda que esse homem estivesse ancorado na razão. Sou rancorosa e áspera. Mas morreria por minha própria decepção, em nome da tristeza, da dor... morreria de solidão nesse mundo tão imenso... morrer é tão fácil. Agora mesmo, posso me descuidar e zás trás, abrir minhas asas. Mas se você fosse psicanalista, saberia que só o amor me faria voar. Saberia que meu rancor é também amor, minha fúria é amor, meu orgulho e meu desejo categórico de nunca mais olhar em seus olhos, também é amor. Até meu ódio é amor. Por isso toda minha aspereza anterior e póstuma será perdoada. Mas parece que estou aqui pedindo perdão para morrer. Não, não quero morrer nunca. Morri só pra você. Quem contempla o pôr-do-sol da minha janela não pode desejar a morte. A terra bebendo o sol com línguas de fogo e a noite avançando quieta e tomando conta do mundo. Também vigio o mundo daqui. Antes de dormir olho o céu, vejo a estrela que meu pai me deu quando eu ainda era pequena. Meu pai me salva da idéia genérica de que o homem tem um amor menor. Meu pai e meus filhos. Minha maior contribuição para com a humanidade foi ensinar meus filhos a amar. E meu maior orgulho é ver que eles aprenderam. Também tive falhas como mãe. A maior delas foi não ter dado a eles uma estrela quando ainda eram crianças. É preciso ser criança para ganhar uma estrela e acreditar que se será guardiã dela para todo sempre. É tão bom ser dona de estrela! É como ser dona de flores e de poemas que não se escreveu. Mas um dia hei de escrever, não para você, que me fez sentir como uma fruta roída por dentro. Foi um desprezo que tive a humildade de aceitar. Há momentos em que é preciso aceitar a perda. Perda da esperança. É tão difícil se livrar da esperança! Você sacode com toda força sua caixa de pandora mas ela continua lá grudada nas paredes, no rótulo, no fecho... ou no seu próprio inconsciente com uma voz fininha a cochichar afetos em seus ouvidos. A esperança é uma aranha diligente que aproveita qualquer fio para construir sua casa. E quando você percebe, já está enredada por aquelas teias pegajosas. Vem a tormenta, o vendaval, o terremoto... e a esperança ali enganchada em qualquer galho seco. Poucas coisas são mais resistentes que a esperança. Pouquíssimas. Eu a rejeito todos os dias, mas a vejo pelos canto da casa, pelos cantos da vida a me olhar enviesada. Parei de proferir frases imperativas. Ela que se dane e viva sozinha sem mim. Eu vou sobreviver porque sou teimosa. Você vai sobreviver porque eu morri para que você continuasse vivo. Alguém tem de perder para que alguém possa ganhar. Mas ganhar o quê? Gostaria mesmo de saber o que foi que você ganhou. Sabina recolheu-se para que Jung fosse feliz. Imaginou-se promovendo escândalos de várias ordens, mas conteve-se, falou pelas entrelinhas e ele entendeu. A propósito, ele engoliu a dor com bebidas e manjares entre uma e outra defesa da psicanálise. Mas quem pode atirar a primeira pedra? Ninguém está completamente errado, até um relógio parado acerta duas vezes ao dia. E às vezes você está certo por não acreditar no amor. E por isso você é tão bem ajustado. Quem não ama não possui a forma contrária correspondente. Quem não ama também não odeia. Sente pena só. E recolhe-se para não agredir o outro com esse sentimento tão desprezível. Tudo é desprezível quando não se ama. Eu quero morrer de amor quantas vezes forem necessárias. Quero veias sangrando, coágulos vermelho escarlate, paroxismo... Sou ávida de vida, quero tanto quanto ela possa me dar. Ela muito me tem dado. Muito me tem tirado também. Mas quero continuar nesse superlativo, sou imprópria para homens comedidos. Preciso de um arquivo grande. Preciso de um aeroporto com falas em todas as línguas. Sou gramatical demais. Tenho uma vontade quase imoral de dizer palavras. Que o amor adoce minha boca, porque a palavra não é sentimento. A palavra é uma ferramenta horrorosa. Todos os dias me arrependo delas. Toco piano para compensar. Mozart, Handell, Vivaldi... alcanço as notas com a minha língua. Deus! Se eu tivesse essa genialidade. Eu não toco não senhor, só com a boca. Minha língua passeia por todas as escalas. Sou capaz de um sustenido impressionante: si be mol. Mas não mostro. Só para os íntimos. E você não é íntimo. Você me ofendeu chamando-me inteligente. Foi um meio para se livrar de mim. Foi o “através”. Inteligente é uma palavra que não cabe nos rituais de adeus. Ela dói porque fica mal associada. É como se quisessem dizer: não vai doer nada, logo sara. Mas não sabem que é uma ferida seca que descasca e não sara. Isso não é drama não senhor, mais respeito que agora eu sou o seu fantasma, o fantasma que você irá buscar no ponto mais profundo de si, na hora da sua velhice. Velhice lenta que vai cavando um buraco no estômago e os mesmos pensamentos martelando o cérebro, insistindo na reflexão da vida, e vida, meu caro, é amor. É a hora dolorosa da verdade, e a única verdade que permanece é o amor. Você não terá como fugir, vai se lembrar que meu amor preenchia um campo de futebol e ainda escorria pelas bordas. Diz que isso não será verdade, diz! Um velho, um cão e um fantasma caminhando pela praia. Uma vingança que me faz sentir bem. Mas de que vale, se já não mais me lembrarei de nada? Já terei esquecido até os poemas que você me escreveu e decorei em forma de gratidão. De que vale a vingança se tudo termina? Não quero ser profeta, nem escriba, basta-me amar intensamente. Todo o resto é conseqüência. Eu poderia ser gélida, esguia, metálica... e sair do palco à francesa, na ponta do salto, de rímel e batom, como você se habituou a ver. Mulheres que não derramam uma gota de lágrima, mulheres inteligentes, como você quis acreditar, mulheres de atitudes equilibradas e elegantes. Mas eu rolei ao rés-do-chão, tive febre, catapora, varíola... (eu que pensava que a varíola já estava extinta) fui burra em tempo integral. Mas, continuarei a ser uma mulher simples e ingênua. Um misto de camponesa e estrela. Ingênua, mas com brilho próprio, ouviu? Você não vai ouvir nunca, porque esta carta jamais chegará a suas mãos. Esta carta é minha. Este amor é meu. Esta história é minha.
Lucilene Machado

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

DE BRAÇOS ABERTOS



DE BRAÇOS ABERTOS


Quando eu era criança achava todos os domingos alegres. Talvez o fato não se deva à infância, mas aos hábitos comuns de uma cidade pequena. Almoço na casa da avó era coisa sagrada. Comia salada de agrião com guardanapo no pescoço. Aqueles talos enormes esbarrando no nariz, vinagre penetrando nos olhos... agrião apanhado na horta sem agrotóxicos. E eu nem sabia da existência dessa palavra esdrúxula. Sabia que havia um espantalho de braços abertos cuidando das verduras. Para mim, era um santo como aqueles das igrejas. Todos os homens com braços abertos eram santos. E minha avó sabia construir santos. Devia se inspirar em meu avô que abria os braços para que eu corresse a seu encontro. E eu morria de medo que ele se petrificasse numa estátua de cartão-postal. Deus amava os homens bons e um dia viria buscá-los para si. Homens bons eram transformados em anjos e ajudavam Deus a cuidar do mundo. O espantalho era um anjo de Deus e devia dormir no esquecimento de alguma menina grande. Era esse um dos argumentos que eu usava para conversar com aquele boneco de pano. Também lhe oferecia teorias, explicações e revelações surpreendentes sobre a parte feminina. Transferia para ele a lealdade dos homens que nem sempre foi real.
Mas é tolice lamentar essa realidade de homens não leais. Não se pode fechar o coração em razão de uma minoria. Ou seria maioria? Não posso dizer ao certo, sei apenas que os homens de braços abertos me salvaram de um coração de gelo. E continuam salvando. Eles existem e estão bem aí, embaixo do nosso nariz. Basta reparar. Sei, às vezes é difícil essa percepção porque eles assumem formas inesperadas, infantis e até misteriosas. E não estamos acostumadas a isso. Vemos a fachada, se ela não agrada desistimos de descobrir o que vai dentro. É trabalhoso conhecer o homem que está dentro do homem. Até porque, foram muitas as vezes que descemos à profundeza e não encontramos nada além de pura escuridão.
Não é necessário mais que uma frustração para que a mulher radicalize e torne-se negligente na arte de procurar pistas. Mas, como a vida não nos deixa de instigar, lá vamos nós, corremos léguas à procura de um vestígio no meio das trevas. Seguimos o primeiro indício de caminho. Pode ser um ruflar de asas ou um fio de luz. E, de repente, estamos diante de uma grande floresta. Árvores com raízes profundas. Espécies que não se deixam levar por qualquer vento. Uma floresta onde se encontra e se perde toda a sabedoria do mundo. Tudo depende da nossa capacidade de percepção. Não convém arriscar?
Hoje quando vi um espantalho numa horta vizinha, não pude deixar de ficar contente. O museu de pano da memória trouxe à tona a imagem de homens poderosos. Homens de coração limpo e braços abertos. Homens feitos à imagem de Deus e que, muitas vezes, se deixaram crucificar por amor. Poesia? Esses versos vão anoitecer comigo. Versos que eu sei de cor. Também sei de cor tantos nomes, tantas lutas... e ainda, por muito tempo, continuarei a conversar com espantalhos e a acreditar nos homens.

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

domingo, 18 de outubro de 2009

ESCUCHANDO LA VIDA

Escuchando a la vida


¿Qué sabemos de nosotros? Esta historia tiene la opción de empezar con una cuestión filosófica, ya que cualquier respuesta, sin embargo, es reduccionista, un hueco, un vacío en el cerebro. Otra posibilidad, si es necesario partir desde un punto, sería la luna de oro en el cielo. Un punto impreciso. Luna casi llena, luna casi menguante. Lisboa, sin dormir. Eran un hombre y una mujer. Más que eso: un río, una música, barcos que pretendían ser mirados, un viento frío, una goma de mascar y las diversas posibilidades de organización de estos elementos. Pero cuando el sueño se tropieza con la realidad, de hecho, se pierde el hilo conductor de la vida. No me preguntes nada, las cosas que buscan sus cursos encuentran sus vacíos. Cajas de silencio para cruzar. En los ojos de ellos, una lágrima; en sus labios una frase de perdón. Mataron a la luna, bebieron el licor.
La mañana de Lisboa tiene cuatro pilares de oro. La aurora entró por la puerta de la habitación. Un hombre desnudo en sus ojos. Un hombre con la fuerza de Hércules y la ternura de Guevara. Ella quería huir, pero ¿de qué? Sabía muy poco acerca de sí misma. Sabía muy poco sobre el hombre que tenía en las retinas una caja registradora de momentos. A veces más, a veces menos. Un hombre que mide distancias, calcula el ancho, compara, investiga. Un hombre que tiene colores cálidos en la punta de los dedos y dibuja mujeres por las paredes de la casa. Mujeres sin alma. Escribe versos con colores fríos. Mar, cielo y un tiempo verde que no viene.
Ella sonríe sabiendo menos de sí que de los otros. Escucha las sílabas de su nombre resonar en las esquinas del salón, pero no está segura de que sea el mismo suyo. No recuerda el camino de regreso. ¿Volver a dónde? No tiene sede, ni hambre, sólo la palabra pasión pegada en el azul de su paladar. Azul del mar, azul del cielo, azul de agosto que se extiende por todo el verano mientras él caza mariposas en su garganta. Príncipe de leyendas. Beso de manzanas envenenadas. Como La bella durmiente estaba presa de ese hechizo. Le pide una palabra bonita. Él responde con metáforas, con versos que todavía no lo hice. Ella siente dolor, ganas de llorar. Quisiera correr mientras el sueño de la magia se disuelve. Entra en el autobús. Acuesta la cabeza en la sinopsis de un poema que es un mapa de imágenes ahora manchado por sus lágrimas. Son versos que toman un impulso y siguen con ella por la ruta de su vida.
Yo, aunque narradora omnisciente, llego al final de esta historia sin saber la verdad del hombre. ¿Por qué la dejó ir? ¿Por qué no la ató a los cordones de sus zapatos gastados? Esta historia podría terminar con esta cuestión metafórica, pero voy a añadir al texto la gran frustración de la mujer: la palabra pasión que ella tragó mientras huía.
Lucilene Machado.

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

SEQUÊNCIA DE SONHO




SEQUÊNCIA DE SONHO


Por hoje, bastava-me uma garrafa de vinho para embriagar-me. Espírito dionísico para beber um sonho. Mas o cálice da realidade impede-me conquistar a eternidade do céu de uma boca ou de qualquer paraíso feito de suspiros e palavras. A razão não compreende a emoção. Embates e embustes. A paixão vale pelo silêncio que engloba. Vale por tudo que não conseguimos dizer, por tudo que não conseguimos perguntar, porque muitas vezes as perguntas não são possíveis.
Debruço-me sobre o parapeito de uma janela que não me pertence. Nada me pertence. Poucas pessoas no mundo são tão despidas quanto eu. Tenho uma nudez que fere. Uma nudez que quer ser dividida. É sublime doar um pedaço de si. Uma mutilação que constrói sonhos. Quantos sonhos seriam necessários para desvendar o mistério de um homem? Talvez nenhum. Podem-se desintegrar os átomos de um homem com atitudes. Com algum impulso de sangue latino podem-se brindar belas descobertas. Mas amor é outra coisa. Amor é o nome que eu persigo e pelo qual me perdi algumas vezes. Fui infeliz em todas as felicidades. Minha alma é uma capela vazia esperando por um anjo. Um anjo cheio de pecados a fazer-me confissões.
A lua rasteja o futuro por caminhos inexplorados. Quero estar suficientemente viva para trafegar com meus sonhos por esses desígnios. Já não estarei confinada num canto do mundo com essa sobrecarga de imagens. Já não estarei precisando pensar, precisando concentrar-me na amarração do texto que toma corpo de crônica. Isso estica minha angústia. Queria pensar sem formas, mas já não posso. Tudo acaba padronizado. O medo de decepcionar, o medo de não ter medo... Toda palavra tem seu preço. Sou vítima de um sistema coletivo de encadeamento de idéias. Até o amor tem suas terminologias. Até o amor tem suas ciências. Mas hoje estou incurável. Quero um amor de botequim. Amor sem pressa e sem causa. É porque é, porque tem de ser. Um amor sem história, acontecendo ao acaso, como se eu nunca tivesse sonhado algo dessa natureza.
De verdade, quando se vive milhares de noites, já não se pode precisar em que noite antiga, muito antiga, se plantou o sonho. Deve ser quando raspei as pernas pela primeira vez, calcei sapatos de salto e todo mundo percebeu, "Essa menina cresceu, tá virando mulher". Estava concluído um ciclo. Nunca mais voltei ao sótão para brincar de bonecas. Voltei sim, para ver das alturas o destino que subia da terra. O destino tinha corpo e cheiro de homem. Senti vergonha do meu sentimento sem pudor. Vergonha dos meus pensamentos ousados. Meu corpo era um mar que precisava de muitos rios para satisfazê-lo. Era assim mesmo? Puberdade, ouvi na aula de ciências. Só não falaram da necessidade de simbiose de espírito. Mas, instintivamente iniciei a busca pelo amor real. Raramente o vivi por inteiro. Queria alcançar com a mão aquilo que está à altura da inteligência.
Mas essa memória afetiva me cansa! Poderia dizer que hoje estou pronta para o desafio, mas o amor tem viés que desconheço. Mal posso falar da anatomia. Tanta beleza em uma só. Tanto pecado num mesmo pecado. Resgate, remissão... Eros, Ágape, philia... gravitar em torno do outro... melhor mergulhar numa taça de vinho e lamber a emoção altruística (ou seria egoística?) de ter escrito esta página.

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

BIOGRAFIA DE AMORES - texto III

BIOGRAFIA DE AMORES - texto III
Era uma noite sem fundo equilibrando-se entre a névoa da insanidade e o veneno da poesia. Saí em direção de outro destino. Mas é difícil apontar para algum norte quando não se sabe onde ele fica. Na dúvida optei por um pouso provisório, quase clandestino, desses em que se oferecem meia pensão, meia diária, meias mentiras... A vida é mais barata e mais leve quando se vive pela metade. Entrei com uma parte de mim. A mais perigosa de todas. Cabelos louros, pele dourada, dentes brilhantes e lábios molhados de gloss. Posto isso, subi uma velha escada de madeira que dava para o pequeno hall cuja porta se abria para uma sala com jornais, televisores, computadores e um espaço para fumar na sacada. Tudo iluminado por uma luz que não perdoa nada, nem a rachadura duma parede, nem a varanda mal varrida, nem as rugas nas caras das mulheres, nem o sol apodrecendo numa réplica de Monet.
Apesar do lugar pouco atraente, havia pessoas. E lugares só funcionam quando existem pessoas. Lugares sem pessoas são ocos e insossos. Se eu tiver que escolher entre lugares e pessoas, fico com as pessoas, mesmo com as que estão vazias. Os gestos moldados no silêncio não têm sentido. Mas sei tão pouco sobre pessoas. O ser humano e suas grandes verdades. Não tenho a intenção de falar de verdades, prefiro as pequenas mentiras, mas não aprendi discerni-las. O amor é o desamor que açoita a pele e penetra os poros dilatados. Verdade para uns, mentira para outros.
A essa hora, o amor passeia lentamente pelos quartos vazios da pousada. Ele que fique só, olhando-se no espelho, sentindo-se esgotado, velho e feio. Ele que morra de abstinência, inanição e desprezo. Maldade? Na morte não há compaixão. Na morte só há saudade. As mãos, o olhar, os beijos. Depois um gesto recolhido, silencioso. Um pedido de “por favor, me esqueça”, um abalo sísmico na geografia do corpo.
O amor passou por mim, todo mundo percebeu. O moço que fuma na sacada me estende um olhar cinzento e complacente. O outro, da mesa quatro, bebe no copo sua tristeza gelada e parece conhecer a minha dor. O amor também passou por eles, não é difícil reconhecer suas marcas, deixa erupções na pele, cicatrizes visíveis e não há nada de extraordinário nisso. O amor é assim, meio ridículo, meio insano. Olho para os lados e vejo pessoas esvaziadas, sem o menor desejo de serem assediadas. Às vezes, sinto medo delas. Às vezes, sinto medo de mim. Sei que pareço uma criança assustada, mas hoje não estou disposta a ser recatada.
Há cinco metros de distância entre mim e o balcão. Apoiado nele, de pé, e quase de costas, um homem de suéter negro. Sozinho, como eu, como a maioria. Cabelos fartos e cinzentos, além de um porte másculo e elegante que o diferencia dos demais. Fiquei impressionada apenas com o que pude ver. Com ele eu seria capaz de cama, mesa e banho. Mas é tarde para pensar nisso. Sou mulher adulta, ciente de que se pode viver sem amor, que se pode respirar livremente, piscar e engolir as palavras, sem gemidos e sem lágrimas. Não preciso passar horas embaixo do chuveiro tentando lavar o que está por dentro. Nós mulheres temos uma capacidade inata de nos auto-enganar e justificar nossos pecados. Claro que ás vezes fica um culpa roendo os ossos, mas para que pensar nisso agora? Fixei meu olhar no homem de negro. As pessoas percebem, mesmo de costas, um olhar fixo. E viram-se vagarosamente para procurar o foco. Encontram-no, acionam o zoom para captar os detalhes e seguem o cheiro do desejo no ar.
O homem veio até a mim como se estivesse atraído por um imã. Tinha olhos festivos e traços angulosos. Havia qualquer coisa de exótico no conjunto do rosto que eu não soube captar. Qualquer coisa de mistério que eu queria e não queria decobrir. Ele ficou meio sem jeito, o que me deixou tímida (sempre fico tímida nas horas impróprias). Disse que eu era bonita e que gostava do meu jeito discreto. Senti que corei. A timidez é vizinha da insensatez. “Por favor, que horas são?” perguntei antes que ficássemos íntimos. “Cada instante é imortal”, respondeu-me, demonstrando estar cheio de palavras envolventes para dizer e que, apesar das efemeridades, era possível usufruir um pouco de romantismo. Engulo os pensamentos num gesto de coragem. Matar os pensamentos me deixa alerta como um cão farejador. Ele percebe que aquele meu estado pode ser um pedido de socorro. De “por favor não diga nada, eu não me sinto preparada”.Intui que eu estou desnorteada e sem elementos para gerenciar o silêncio gravíssimo nos rondando. Eu quieta e inquieta. Eu viva e com a alma em reboliços. Eu com olhar esgazeado de fêmea que só queria curar a dor de uma rejeição seguindo os pontos cardeais e estava prestes a cair na própria armadilha.
Melhor ir dormir antes do constrangimento das palavras. Claro, não preciso viver esses frêmitos de ansiedade. Posso pagar a noite num quarto amarelado de pé-direito alto, com luz de detector de incêndio no teto. Posso passar oito horas olhando a luz vermelha piscar sem maldizer a solidão. Melhor não me deixar enlaçar no fio frágil da sedução que mal nos ligará ao improvável dia de amanhã.
O homem bonito acende um cigarro para me dizer que a vida é breve. Aponto para a ala dos fumantes. Ele apaga vagarosamente o fogo com a ponta dos dedos. Um gesto que me excita e me apavora. A fumaça se mistura ao meu rude pensamento: ele tem sensibilidades e fraquezas, meu Deus! Talvez tenha a mesma dor que eu. Aproveito o momento turvo para olhar o relógio. Que tempo mal situado, enroscado na lucidez das circunstâncias. Sei que vou lamentar a oportunidade que me escapa pelos vãos dos dedos. Os mesmos dedos capazes de apagar um cigarro e promover prazeres da carne. Prazeres que eu rejeito com um olhar. Sinto um nó na garganta, as palavras não pronunciadas dormirão em meu coração discreto, ou em nossos corações discretos. Como essa vida é complexa, meu Deus.

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

MEMÓRIA


MEMÓRIA


Você sempre aparecia nas férias. Vinha com aquelas idéias modernas da cidade grande. Falava de metrô, aeroporto, elevadores... e mostrava fotos de uma vista noturna capitada a partir de um viaduto. Que palavra bonita “viaduto”! Uma ponte sem rio por baixo - você me explicava com a paciência das crianças. E eu achava tão bonita a boca que você fazia pra dizer “metrópole”. Ah, aquela sua maneira de contar histórias urbanas com palavras urbanas. Eu bem que tentava imitar, fazia beicinho e tudo, mas o que eu sabia mesmo era contar histórias de assombrações.
Adorava ver os seus olhos faiscando de medo. A noite é perigosa e traiçoeira – eu dizia, sem saber bem o que estava dizendo. E lhe ensinava a fugir dos bichos e a desbravar o mato cerrado. Ora, eu até já tinha visto um saci! E você acreditava. Acho que fui eu que lhe ensinei a mentir e você aprendeu muito bem, desenvolvendo grandes habilidades na área. Constatei isso nas últimas entrevistas que você deu à TV. Olhei bem nos seus olhos e vi que eles ainda conservam os sinais do medo. Tive a sensação de que você ainda continua a fugir dos bichos. Talvez de outros mais graves, mais ferozes que lhe habitam por dentro e não há faca ou caco de vidro que os façam recuar.
Senti pena. Mas não posso negar que tive certo orgulho quando o vi montado num cavalo. Fui eu que o ensinei a montar. Eu era valente e montava cavalo em pêlo. Você quis tentar, lembra-se? Caiu e quebrou o braço. Que sorte quebrar o braço! Eu nunca consegui tal façanha. Como eu invejava os privilegiados capazes de exibir uma parte de gesso no corpo. E minha mãe cuidou de você. Muito melhor do que cuidava de mim. E nas refeições o servia antes de mim, lhe paparicava e dizia que você era inteligente, sabia muito mais do que nós. Ora! Sempre discordei, eu sabia coisas que você não sabia. Eu sabia descascar cana nos dentes, manejar estilingues, armar arapucas, capturar vaga-lumes... ah, eu sabia preparar emboscadas, atravessar correndo os arames farpados, subir nas copas das árvores e ficar olhando lá de cima... Você tinha medo até de galo de crista empinada! Tinha horror a minha coleção de joaninhas e corria quando eu o ameaçava com uma porção de minhocas nas mãos.
Mas o tempo passou. E na adolescência, eu é que fui passar férias na cidade grande. Rio de Janeiro. Você me levou ao metrô, mostrou-me as pontes e viadutos, mostrou-me túneis, ruas se abrindo, caminhos e descaminhos que eu não sabia que existiam. E quando dei por mim, já estava perdida. Perdidamente apaixonada. Tão inexperiente eu era! Não consegui decifrar aquele misto de dor, prazer, vontade de ficar, vontade de partir, vontade de querer de não querer.... medo!
Você me levou ao cinema para ver “Os Embalos de Sábado à Noite” e disse que eu tinha cheiro de terra molhada. Não sabia se gostava. Não dava pra raciocinar. Todo o corpo estava contraído por aquela espécie de sentimento que nos separa da realidade. Nem me lembro como foi o primeiro beijo, mas lembro-me do segundo, do terceiro... e da saudade que vivi depois.
Por algum tempo trocamos correspondência, até que você foi embora para a América e então, perdemos o contato.
Custei a acreditar quando o vi na TV, cheio de dedos, proferindo palavras persuasivas com uma oratória semelhante a dos políticos. E não é que você era um político?! Tempos depois você assumia um cargo importante no país. E concedeu uma série de entrevistas. Não pude acompanhar a todas, mas não deixei de ver algumas. Em especial aquela em que você mostrou a sua família e a fazenda. Foi aí que eu vi o seu cavalo. E você cheio de pompas dizendo que sabia montar desde os oito anos e que fora um menino valente, acostumado a montar cavalo em pêlo.
Eu ri muito. Você recortando um pedaço da minha vida e se fazendo dono dele. Mas pode ficar com esse pedaço. É seu, tá dado. Pode fazer de conta que eu não existi. Que me importa? A sua memória é uma mistura do que não foi e do que você gostaria que tivesse sido. Pode ficar com toda a história que era nossa. Que direitos eu teria sobre ela? Para você eu sempre serei a filha do administrador de fazenda do seu pai, que, para todos os efeitos, nunca fez parte da sua vida. Que diferença faz? Continuo a saber das coisas que você não sabe e se eu pudesse lhe dizer algo, assim bem de perto, diria pra você montar, realmente, um cavalo em pêlo, talvez fosse a coisa mais autêntica a fazer.

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Claricianas IV




Toda manhã é uma nova página onde invento um homem e o desenho sobre o papel. Mas sempre estou pronta a apagá-lo, delicadamente, com a ponta de meus dedos. Isso é amor. Ou nem mesmo é. Inútil questionar. O amor resguarda o enigma do não saber. E sempre uma felicidade leve pousando na pele do sonho. Escrevo amor com tinta verde, mas em minha pele escreveram com tinta vermelha. No jogo das cores, fiquei com as letras em brasas vivas queimando as lembranças do passado. A palavra é a mesma, mas não oferece consolo. Amor latente. Adjetivo que não dá vida, mata. Nel mezzo del cammin di nostra vita. Beatriz e o fio cortado ao meio. Letra morta, morrida numa página branca. Morte é palavra dura escrita numa linha secreta. O que passará pela nossa cabeça além das citações bíblicas e das tentativas de esconder o desejo debaixo de alguma costela? O desejo é no corpo, talvez por isso a resistência. Não mereço morrer, acho linda a lua em todas as suas fases, e não suportaria a idéia de não vê-la mais improvisar um poente por detrás das árvores retorcidas, sobretudo não suportaria a idéia de não inventar homens-deuses.