domingo, 7 de março de 2010

O encontro

          O moço chegou assim, sem conhecer ninguém. Era quarta feira ou sexta feira? Sei que era dia de percorrer longas distâncias dentro de mim. Não havia nenhuma festa. Ou havia? Talvez a festa acontecesse entre nós dois, mas não percebemos, por uma única razão: somos míopes! Ele, com miopia nos olhos. Eu, na alma. Neste caso, brindamos com palavras, o que não podíamos reconhecer.
O cenário era rústico, as superfícies refletiam o desgaste que o tempo inflige às coisas. A atmosfera amiúde e patética era cercada por objetos sem atrativos, insignificantes diante do encontro de duas pessoas desconhecidas, mas que mesmo assim tornam-se pontos fixos de observações e até comentários, porque nesses momentos as coisas internas e externas se misturam e se transformam, indubitavelmente, num elemento poético.
          Assim, agregamos palavras. Talvez excedentes. Talvez prematuras. Mas todas perdoáveis. Quem é capaz de traçar, antecipadamente, um caminho por onde percorrerão as palavras? Palavras são mariposas que sobrevoam o mapa eletrizante dos nossos sonhos, buscando sinais magnéticos para uma completa atração. Entretanto, nem sempre isso acontece. Às vezes as mariposas fecham as asas e caem vencidas sobre o chão da realidade. Dá-se aí uma inapetência diante das palavras grafadas, inutilmente, para serem deletadas devida a corrosão sofrida pelo pensamento inadvertido.
          O moço não tinha palavras rudes. Suas frases alcançavam a doce superfície dos instrumentos afinados, tinham a suavidade de madeira manejada e uma consistência de tato, como se a voz fosse algo palpável. Porém esses fatores não são imprescindíveis ao esquecimento, razão pela qual coloco palavras no papel para que o perfeito estado dos vocábulos não seja destruído e possa ser preservado no núcleo de sua estrutura. Porque o moço, bem, o moço já se foi. Discretamente, como chegou. Levou as idéias, os projetos, as atitudes, os prazeres... já seria a hora de envilecermos?
          Ele tinha que ir. E eu fiquei ali olhando para as costas do moço e pensando como teria sido se ele ficasse, se seria bom, se ele escrevia bem... se eu iria molhar os olhos lendo textos pela madrugada... fiquei ali olhando para o moço e ele indo embora... E eu nem fiquei sabendo se ele lia Pablo Neruda, se gostava de Fernando Pessoa.... se já havia chorado alguma vez, se tinha algum sinal de infância... por que aquele cuidado excessivo em apagar as pegadas, em não deixar pistas? Por que a precaução em se manter desconhecido?
          Então, fiquei aqui pensando nas coisas que a gente perde, sem saber o que está perdendo. E, o que fica dessas pequenas conspirações do destino além da dolorida hora de olhar alguém partindo? Talvez a poesia. E como disse Neruda: “...na casa da poesia nada permanece a não ser o que foi escrito com sangue para ser ouvido pelo sangue.”

Lucilene Machado