terça-feira, 29 de maio de 2012

Do amor e suas simbologias

Jacques-Louis David “Marte desarmado por Venus e as três graças”

Do amor e suas simbologias


A esperança é um dos fortes fios usados para tecer a poesia. Toda poesia é grávida de esperança. O amor nem sempre. A poesia nunca esgota o sonho, o amor sim, esgota todos os canais. O amor mastiga e digere todas as ilusões, quebra as nossas asas. A esperança é limpa, o amor não, ele tem um caminho indecoroso, encorpado de restos, de pedaços de palavras, fotografias rasgadas, folhas amarelas, migalhas que foram oferecidas em finais de noites, haicais que seriam epopeias, rimas quebradas, estrofes desprendidas do fim e do início, sem contar os gritos soltos, as lágrimas salgadas, os cheiros que impregnam todos os labirintos.
O amor é um círculo que nos enlaça e vai, aos poucos, nos engolindo, feito cobra sucuri. Aliás, o amor incorporou as  características da serpente ainda na gêneses da vida. Uma serpente enroscada em seu tronco, deslizando pela veia do tempo e do espaço, uma serpente vestida em suas peles coloridas na região mais selvagem do Eden, enquanto um amor branquíssimo dormia dobrado sobre o ventre de um casal em fase de encantamento.
A poesia foi testemunha de tudo. A serpente seduziu a mulher, por consequência seduziu o homem, incorporando-se nessa corrente de sedução. A insondável serpente, na contramão da vida, agregou ao amor esse jogo de verdade-mentira, de ser-não-ser, quer-não-quer, vem-não-vem... e o amor ficou cheio de reticências. Um ponto final pode não ser o fim. Um ponto final pode se esticar todo e voltar a se enroscar na frase. Depois, outras frases seguindo a ideia primitiva, até os envolvidos serem obrigados a aprender a desamar. 
Eu já tive de aprender a desamar. Uma das experiências mais tristes da vida. As palavras, que não podemos dizer, nos seguem. Os sentimentos, que não podemos alimentar, nos seguem. A angústia nos segue e até a esperança vem trotando a passos lentos, espancando as patas no chão, tentando nos alcançar para convencer-nos do dom da ressurreição. O que é um perigo. Se ouvirmos a esperança, por um segundo que seja, a recaída é certa. Ressurreição não existe, amor morto é amor enterrado – repetimos, com o fim de ouvirmos nossa voz e acreditarmos nela. Nas entranhas uma estranha dor. Constante e cortante. Alguns buscam um vício, uma brisa, uma rima, um psicanalista capaz de compreender as confusas palavras que tentam se equilibrar em frases superlativas.
Depois vem outra etapa, um tempo comprido e horrível. As palavras vão perdendo os significados. Até as mais óbvias. O vazio vai invadindo nosso espaço e ficamos a poucos passos de uma eternidade de silêncio.  O amor passa a assustar mais que todos os fantasmas que habitam o coração humano. Há um pavor em amar num lugar tão frágil como o mundo, um lugar imperfeito, onde o amor está sujeito a emudecer, mentir e a aceitar as sugestões travessas de serpentes que seguem a instigar mulheres e homens pela vida afora.
Solitários, seguimos com nossas sensibilidades desgovernadas. Transformamo-nos em seres humanos produtos e nossas escolhas partem das nossas mais básicas conveniências. Mas, não conseguimos muito bem separar efêmero de permanente, material de espiritual e muito menos a administrar nossas frustrações. A poesia volta a nos rondar: um corpo quer outro corpo. Uma alma quer outra alma e seu corpo. Os sinais ambíguos começam a aparecer, forte carga de ilusão romântica e imprecisão semântica. A mesma história voltará a se repetir? Talvez sim, talvez não... a propósito, passei a tarde olhando o quadro de Jacques-Louis David “Marte desarmado por Venus e as três graças”, alguma coincidência? 
                                                                                                                      Lucilene Machado