segunda-feira, 11 de junho de 2012

As delícias e as torturas do amor


 
As delícias e as torturas do amor

Li no livro Ensaios de amor, de Alain de Boton, que se perguntássemos à maioria das pessoas se elas acreditam ou não no amor, elas provavelmente diriam que não. Mas essa não é uma resposta necessariamente verdadeira. É só uma forma como elas se defendem contra o que querem de fato. Elas acreditam nisso e fingem que não, na medida em que isso é possível. Se pudessem, jogariam fora todo esse cinismo, mas  a maioria também nunca terá chance de se desfazer dele.
A questão é que quando se trata de amor, o dito não é exatamente o que se quer dizer. O amor é cheio de sinais ambíguos, de meias palavras, de silêncios. Para quem está de fora, o amor chega a ser ridículo. Não foi à toa que Fernando Pessoa disse que todas as cartas de amor são ridículas. Eu entendo o processo. Os pensamentos dos apaixonados estão desconjuntados, falta articulação, falta vocabulário, a linguagem vai tropeçando nos sentimentos, na mente ansiosa, de modo que a frase perfeita fica para os poetas que vão compô-la dentro da lógica estrutural, capturando a polivalência da natureza humana.
Em contrapartida, só os apaixonados conseguem extrair do beijo a doçura que ele oferece. O leve roçar dos lábios, as tentativas suaves que guardam o sabor único da pele antes dos lábios se abrirem e tornarem a se juntar em bocas já sem fôlego, articulando desejos que vão se enroscando no corpo em dimensões desproporcionais à lógica, ao conhecimento e a qualquer teoria que se estudou.
Quando se está enamorado, o suspiro potencializado inutiliza o pensamento. Há uma insanidade qualquer derramada sobre o ato do amor. Não há julgamentos, tudo parece perfeito sob esse prisma. Até o feio parece belo. A estética amorosa é redefinida de forma original: uma deformidade, por exemplo, pode ser vista como um charme. A beleza pela ótica dos apaixonados flerta perigosamente com a loucura, não se ajusta às regras da proporção, tampouco aos conceitos do clássico. Não é raro encontrarmos casais completamente díspares e não raro também nos perguntarmos “o que ela viu nele?” ou vice versa. O amor encobre uma multidão de defeitos.
Talvez, seja verdade que não estamos completamente vivos enquanto não formos amados; que não existimos antes de ter alguém para nos ver existindo; não conseguimos ter uma ideia adequada sobre nós mesmos se não houver outros em nosso entorno para nos mostrar o que somos. Para a filosofia, nossas identidades são fluídas e para sentirmos inteiros necessitamos de pessoas que nos conheçam como nós mesmos. Ou seja, com o amor existe uma constante e intensa confirmação do eu, sem dizer que é reconfortante encontrar refúgio para nossa invisibilidade nos braços de alguém que tem nossa identidade na ponta da língua.
Mas, o feroz agravante do amor é que não há garantias de continuidade. As juras feitas diante do pastor, do padre, do juiz... diante dos amigos, da família ou entre quatro paredes nas noites de luxúria não asseguram nada. Podem assegurar um casamento, mas o amor, como disse Drummond, foge a regulamentos. Ficamos todos expostos a um tipo de dor para a qual não se encontrará paliativos. Lori, personagem de Clarice Lispector, em Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres, vive a purgação do amor. Ela ama pela primeira vez e precisa passar pelo processo da aprendizagem. O ser apaixonado se mostra, em sua precariedade, marcado pelos vazios, pela angústia e pela submissão ao outro que lhe parece maior e mais especial. Lori tenta fugir da angústia, mas cai na impossibilidade de sentir algo diferente. Sem dor, o amor será impossível. Assim, ela destemidamente avança na descoberta do que se chama “viver”. Com dificuldades, o processo vai se construindo entre idas e vindas, lapsos, rupturas, medo de avançar depressa demais, ou regredir e perder os passos já avançados, inquietando-se diante da inviabilidade de se explicar ou entender as incertezas.
Lori revela as delícias e as desgraças de amar. Outras personagens da literatura, das telenovelas também incorreram a esse risco de ver a vida detalhada num tango argentino. Aí é deixar sangrar: Déjame que llore/ como aquel que sufre en vida/ la tortura de llorar su propia muerte...
                                                                                                              Lucilene Machado 

12 comentários:

  1. Dizem que amar é sempre muito perigoso
    Aposta cega no mar louco da paixão,
    Presente ingrato, mas, também, tão saboroso
    Quanto sorvete lambuzando a nossa mão...
    A gente fica calmo, livre e preguiçoso,
    Olhando o céu no fim de tarde de verão,
    O tempo passa e deixa tudo mais gostoso:
    Amar faz bem, pois nos renova o coração...
    Dizem que o amor parece vício natural
    Doce feitiço n’alma leve e transparente,
    Ai quem me dera mergulhar como imortal
    Nos braços leves desse Deus inconsequente...
    - Somente amando o corpo vence o que é mortal
    E ganha o etéreo iluminado e transcendente!

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  2. Estou admirada com a rapidez com que você escreve um soneto,obrigada pela re-leitura.

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  3. Gostei imenso da maneira de como trabalha o tema "amor". Lembra muito o amor romantico e trágico de meados do seculo XIX e também o amor de final do século XXm com algo de Drummond e Neruda (se não me engano!) na verdade, li apenas uma de suas cronicas e gostei muito. Espero ver mais!

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  4. Obrigada pela leitura Joca, seja bem vindo, siga lendo os textos, isso é importante para mim.
    Abraços.

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  5. Agora que vejo que voce é do Mato Grosso, terra de um escritor que "descobri" há alguns anos, Ricardo Guilherme Dicke. Te descobri meio ao acaso, pois andava a procura de alguém que escrevesse sobre o amor sem a costumeira agua com açucar. Achei sua verve interessante, repleta de cores, cheiros e sabores sem a apelação escatológica, praga que pega até autores consagrados... AbraÇO

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  6. Eu sou de Mato Grosso do Sul, provavelmente o Dicke seja mesmo de Mato Grosso, mas eu sou do sul. De onde você é? pois, escrever sobre amor não é fácil, o risco de cair na mesmice é grande, tampouco há uma literatura filosófica sobre o amor para nos dar apoio, desde Platão que o amor é pano de fundo para sociedade ocidental, mas talvez pelo fato do ser humano ser definido, pela filosofia, a partir da razão, o amor passa a ser um acidente, uma confusão de sentimentos com consequências lastimáveis ou não...

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  7. ....se não me engano, o DIcke era de Cuiabá. EU sempre faço confusão. Mas ele teve toda uma formação uspiana, sua tese de mestrado foi sobre Guimaraes Rosa, muito interessante. Se isolou no Mato Grosso em principios da decada de 80, vivia meio recluso. Eu moro em São Paulo vindo do interior, da região de Dracena, perto da divisa com o MS... O tema do amor é mesmo dificil: talvez o mais intrigante que já li foi Histórias de Amor, de Julia Kristeva; atualmente estou lendo o Desejo, resultante de uma série de conferencias que fez muito sucesso nos anos 90.... Me interesso pelo desconcerto que o amor conduz quem por ele se envereda; acho mesmo que tem uma função transcendental: o apaixonado é um ser invencível e ao mesmo mesmo frágil como uma pétala. (vide a história de amor de Walter Benjamin e Asja Lacis, descrita parcialmente no Diario de Moscou)

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    1. Não conheço esse livro "O desejo"... quem foi que organizou?

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  8. "O Desejo", da Companhia das letras 1990, foi organizado por Adalto Novaes. Trata-se de uma serie de conferencias produzidas pela equipe do Nucleo de Pesquisas da FUNARTE. São textos, entre outros, de Marilena Chauí, Gerard Lebrun, Maria Rita Khel, Renato Mezan, etc. É mesmo muito bom, creio que voce gostaria, pois aborda o tema de um ponto de vista que tem a ver com as suas abordagens. Atualmente estou no segundo texto, da Chauí. O livro está fora de catálago, mas nos sebos daqui pode ser encontrado. Ainda hoje vi um deles num local conhecido, mas infelizmente não vi o preço....

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  9. Voce conhece o site Estante Virtual? O livro pode ser encontrado por lá...

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Comentários