Quem está preocupado com a educação?
Estamos em um ponto em que não temos nenhuma ideia do
futuro. Presume-se que o futuro se faça com educação, mas quem está
interessado? Se você diz em determinado contexto que trabalha com a educação,
as pessoas mudam de fisionomia. Na sequência virão afirmações e perguntas para
as quais não bastam uma simples resposta, se faz necessária uma defesa com
argumentos amarrados à área das humanidades, enfatizando a antropologia,
sociologia, pedagogia e até a vocação mesmo, ainda assim o sujeito emissor vai te olhar com cara de
pena. Já ouvi até alguém dizer: “tão inteligente, foi ser professora”.
A educação, como trabalho, segundo os ditames da
sociedade é para os menos favorecidos. Menos favorecidos intelectualmente, menos
favorecidos culturalmente, financeiramente etc., porque para a sociedade o que
importa é o dinheiro, a fama, a aparência, a capacidade de sedução, de
convencimento, ainda que isso gere grandes corruptores. Reina o chavão “o mundo
é dos espertos” e, se você é professor, por certo não é “esperto”. Em um país onde a não-educação é regra, o que
interessa é o barulho, o pensamento clichê, frases prontas, repetições. A
maioria dos jovens que saem do Ensino Médio não sabe pensar, não sabe
estruturar uma ideia, não sabe conceituar um termo, ou seja, repetem o que dita
a mídia, e são facilmente manipulados por um sistema que vende falsas
esperanças e desenvolvem manobras capazes de manter um povo ignorante.
Hoje digo a meus alunos que a educação nos interessa porque
é ela que vai nos levar ao futuro que não podemos entender. Um futuro escuro.
Não temos ideia de como será o mundo em cinco anos, embora se espere que
eduquemos para isso. A incerteza é avassaladora e nisso estamos todos de
acordo. Mas a maioria não tem consciência do que é. Estamos caminhando para um
abismo e a melhor defesa contra o abismo é a consciência da possibilidade de
abismo e não nos instalarmos no narcisismo de nossa invulnerabilidade. Nada nos
faz tão infinitamente frágeis ou tão infinitamente covardes do que a
inconsciência que temos diante dos fatos. Esquecer as precariedades é esquecer
a extraordinária potência que temos, ou que não sabemos que temos.
Hoje ouvi duras críticas às universidades, que estas não
sabem e não estão preparadas para formar professores. Há certa verdade nisso,
mas não é apenas nossa essa responsabilidade. As famílias também não sabem
formar os filhos e grande parte dos filhos sequer sabem qual o papel da
família. Talvez a primeira lacuna na aprendizagem se dê aí. Os pais imputam à
escola um papel que não é dela, o qual ela não está obrigada a realizar.
Sabe-se disso, mas como cobrar? a raiz está em outra precariedade que fragiliza
e tira a dignidade de nossas famílias, a política. Há uma citação clichê que
circula em infindáveis discursos de que toda nação tem o governo que merece. É
o povo que institui o sistema político, logo, por silogismo, o povo não sabe
votar. Não sabe mesmo, mas a culpa também não é só dele. Ninguém ensina ninguém
a votar, ensina-se a pensar, a refletir, levantar hipóteses, constatar...
Ensina-se a história, a ideologia, como funciona um sistema de ideias e o voto
será o resultado dessa aprendizagem. Mas quem faz questão que o eleitor pense?
Adentra-se a um ciclo vicioso que vai nos extraindo as esperanças a fórceps.
Passamos vários anos de nossas vidas em um intenso
programa de formação. Grande parte de nós já tivemos a possibilidade de estudar
no exterior, trocar experiências, avançar nas pesquisas locais, reformular o
pensamento, trabalhar com ética, responsabilidade, solidariedade e avaliar
criticamente as ações vividas, sem perder de vista o olhar do conjunto e do
local onde trabalhamos, pois é isso que nos trará a responsabilidade
profissional em nossas tarefas. Mas temos um grande problema: obedecemos a um
sistema.
Quando um novo professor chega à escola se vê obrigado a
adaptar-se ao sistema educacional político vigente, que sempre é o mesmo no
sentido de deficiências e nunca é o
mesmo no sentido de continuidade. Aliás, não temos um sistema educacional
independente das descontinuidades políticas. O projeto educacional brasileiro
precisaria ter continuidade. Temos programas excelentes que quando começam a
dar resultados são abolidos. Projetos que aproximam a universidade da escola,
que estudam o contexto do entorno, que trabalham a construção do conhecimento
interdisciplinar com o fim de formar um sujeito pensante... Mas são barrados
por falta de verbas. São barrados por falta de vontade política, ou porque uma
educação eficiente poderia dificultar as manobras políticas que imperam na
sociedade.
Ser professor no Brasil é viver a experiência quixotesca
de dar murro em ponta de facas e o professor está esgotado. Políticos e
empresários, sem o menor escrúpulo, ditam seus critérios de eficácia, o que na
verdade são critérios de rentabilidade, dentro de um modelo de objetificação do
conhecimento. Se por um lado o governo não cumpre com sua parte, por outro, a
sociedade não executa o seu papel
fiscalizador. Alguns por comodismo e outros por falta de compreensão.
Sem a compreensão dos fatos tem-se a incivilidade. Pela falta de compreensão
dá-se a barbárie e a educação vai ficando esvaziada de educação. As pessoas não
contam mais com a luz natural dos seus olhos, vê com o olhar do outro, com o olhar
tecnicista da objetificação. Compra ideias prontas, tecnologicamente
desenvolvidas. O pensamento está em decadência, o humanismo está em regressão e
a sociedade está à beira do abismo, mas quem está preocupado com o futuro?
Lucilene Machado
Doutora em Literatura
e Teoria literár
Lucilene , espero que você consiga levar ao maior número de pessoas o seu manifesto. Suas palavras encontram eco em muitos de nós que assistimos assustados os rumos desordenados da Educação em nosso país.
ResponderExcluirÉ bem isso ,escreveu tudo que realmente pensamos , discutimos e ao mesmo tempó ficamos intadados de mãos atadas nesta sociedade vulnerável e influenciável.
ResponderExcluirLucilene, também penso como voce. Que o pensamento está em decadência, o humanismo está em regressão e a sociedade está à beira do abismo. Eu ando preocupada com o futuro também como a grande maioria dos professores e foi este fato que me levou a criar a "Proposta Educativa de Berço" com intuito de levar Educação de Berço a todas as classes da população brasileira. Creio sim que será possível mesmo que independente do Estado que (ainda)não conta com este recurso. Mas contamos com a tecnologia a nosso favor. Em meu entender, somente a Educação de Berço dará a volta por cima - na falta de ética, de responsabilidade política, de Cidadania que infelizmente reflete no mau comportamento da população que sem raízes de educação e valores não tem onde segurar e se firmar,ainda somos maiores que os problema, por isso estamos otimistas e ainda venceremos quando a educação de berço estiver estabelecida em todos os lares formando igualdade de educação de berço em todas as classes. Voce é meu exemplo e suporte. Grata...venceremos
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