sexta-feira, 29 de julho de 2011

MULHERES DE IDADE MÉDIA


MULHERES DE IDADE MÉDIA


         Chega uma idade em que vamos recuando, vamos ficando longe da linha de ataque, vamos enterrando os sonhos nas trincheiras, limpando o pó de alguma ternura boba e nos conformando com as migalhas que sobejaram das ilusões.
  Chega uma idade em que aprendemos a desistir, esquecer... calar. Vamos nos habituando a conviver com nossas mordaças, nossas amarras... De que vale a liberdade se conhecemos tão pouca gente livre?
  Chega uma idade em que vamos escondendo o romantismo nas fronhas dos travesseiros e nos contentando com o prazer efêmero com hora marcada para acontecer. Acomodamo-nos a um gozo mecânico sem a sonoridade dos “eu-te-amo” e dos “para sempre”. Aprende-se técnicas, métodos, estratégias racionais capazes de desentranhar a libido e compensar o amargo na boca.
  Aos poucos, vamos escondendo nossos tentáculos, vamos nos adaptando aos ditames da razão, obedecendo aos assobios, às leis primárias e ficando quietas em nossas menopausas sem mais questionar os “que teria sido se...”
  A gente se habitua com um jeito sem jeito de ser conquistada. Um jeito sem festa, sem brindes, sem flores... um jeito prescrito que não esconde grandes surpresas. Falta criatividade e persistência, mas a gente aprende a viver sem o exercício da arte de seduzir e sem os remorsos da carne.
  Chega um tempo em que a gente se obriga a compreender a teoria da relatividade, objetividade, contabilidade... tudo tem um preço. Tudo envolve perdas. Que importa? A esta altura, dominamos a arte de perder sem muitas dificuldades. Somos mulheres equilibradas e fortes. Sabemos esconder dores sem precisar disfarçar cansaços.
  Acostumamos-nos às mentiras puídas e acreditamos nas palavras para não comprometer momentos de ternura. Não porque momentos sejam poucos, mas porque viver é uma arte, a arte de acreditar. A realidade que se acredita é a mais real do mundo. Em nenhum tempo se está preparado para conviver com a franqueza.
  Chega uma idade em que descobrimos que podemos perfeitamente viver sem grandes amores. O amor é parte da vida, mas apenas uma parte, e aquela história de ser tão indispensável quanto o ar que se respira é para os compêndios literários. Por mais que a idéia nos desagrade ou entristeça, grande parte das pessoas não vive ou não tem um grande amor.
  Dia chega em que nos conscientizamos de que vida e morte são fatores biológicos. Independem da nossa participação. Que coragem e covardia têm similaridade. Que a vida jogou conosco. Que nossa história não tem nada de extraordinário, porque todas temos a mesma história para contar. Histórias que ouvimos femininamente comovidas até morrermos, profundamente desabitadas. 

Lucilene Machado


2 comentários:

  1. Te procurei no google. Não lembrava seu nome, só lembrava de uma cronista do jornal de Campo Grande que era maravilhosa para expressar sentimentos tão comuns a nós todas. Agora vou seguir seu blog e espero não perdê-la mais. Tem momentos da vida que a sua crônica "Van Gogh, eu e algumas reflexões" é a única coisa que ressoa na minha mente, fazendo ou procurando sentido. Esta crônica "mulheres de idade média", eu também adorei. Mírian

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  2. Obrigada, Mirian, pelas palavras tão inspiradoras e pelas leituras, é muito bom saber que alguém nos lê.
    Abraços.

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Comentários