segunda-feira, 18 de julho de 2011




De esperança e outros conflitos

Eu e minha esperança temos uma relação tumultuada. Não sei por que me permito. Não sei por que vivo fiando saudades num tear que não me pertence. Eu não sou Penélope e posso sim sair de mim na hora em que eu quiser. Não recebi nenhuma herança poética, nenhum verso grego foi deixado nas páginas da minha ficção. Tampouco fui amada por algum Ulisses. Minha vida é um texto comum que não quer dizer nada. Nem deslumbrante, nem original. Não é tragédia, nem comédia. A narrativa escorre lenta desde o amarelo do sol até o azul cinzento da noite. Não é uma epopéia, mas tem amor. Porque o amor é coisa dos sós. É sentimento que nasce nos parágrafos mais insignificantes e vai se apossando das linhas, entrelinhas e até do que não foi premeditado.
Às vezes paro para me assistir. No primeiro ato, eu com minhas máscaras sutis, com meus instrumentos de sedução, minha trilha sonora, minha sede, meus desejos, minha fábrica de construir sonhos. Eu atando as linhas das palmas das mãos, costurando um destino perfeito, pulsando motivos no santuário da beleza e ouvindo o ritmo da noite embaixo do travesseiro. Não há dúvidas de que o amor é espiritual, sagrado e tem qualquer coisa de sobrenatural. Deus seja louvado, repito para mim diversas vezes.
No segundo, eu cheia de palavras desesperadas, pronunciando nomes de coisas tristes, perdida nos ecos dos meus próprios gritos, inconformada com as migalhas  que as pessoas estão habituadas a dividir e com o pouco que elas estão habituadas a esperar. Eu com hemorragia, vendo a tinta vermelha  jorrar do útero e escorrer pelas  pernas. O seio inchado, a boca amarga, as veias trançadas embaixo da pele, a alma em pus. Não há dúvidas de que o amor é escatológico, inóspito, serve-se das palavras para gangrenar a verdade sagrada, além de entregar a cabeça da esperança numa bandeja para ser servida com o vinho da tristeza. Pai... afasta de mim esse cálice, repito quase sem forças.
 No terceiro ato, me vejo recolhida em minha casa de caracol, resiliente, consciente de que muita coisa se perde pelo caminho nessa grande viagem que é a vida. E que tudo o que se perde não é tão importante, existem outros caminhos a serem explorados, outras possibilidades de viagens; que não vale a pena permanecer no deserto dos labirintos invisíveis e, talvez seja interessante dar teto a um pensamento novo. Puxo automaticamente a linha quase invisível da esperança, o fiapo minúsculo  enganchado em qualquer frase seca e o vou entrelaçando, em cores cruas, com a linha central de um novo poema. Deus, que agora seja para sempre.
Mas a verdade é que já não quero viver nesse ciclo vicioso. Quero sair. Como fugitiva que seja. Quero sulcar as paredes tortas dessa legalidade instaurada sobre mim. Não quero carregar esse paradoxo de bendição/maldição... quero fechar as portas à minha natureza. O amor me cansa. Quero andar descalça sem cortar os pés, quero o silêncio, as flores, a alquimia das cores... quero asas para perambular, campear minha sina, e que a esperança me deixe em paz, de uma vez por todas, amém.

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