quarta-feira, 25 de abril de 2012

Quão incompreensíveis eles são!





Quão incompreensíveis eles são!




        
Esta crônica deveria ter sido iniciada assim: “Não tente compreender seu filho de doze anos..”, Mas toda vez que começo um texto com o vocábulo “não”, ouço a voz do meu velho professor de português ecoando nos tímpanos: NUNCA comece um texto com um “não”! Certamente essa regra há muito foi superada. Porém, a mim é como um trauma. Sem cura, diga-se. Toda vez, um fantasma de bigodes sopra a minha nuca. Mas, como eu estava tentando dizer, ser mãe de um garoto de 12 anos é um desafio. Minto. São vários desafios que você tem de enfrentar com atitudes diferenciadas. E haja disposição para tantos impasses!
  Já não gostam de visitas a casas de parentes. Circo e jardim zoológico nem pensar. Não lêem mais revistas em quadrinhos e exigem determinadas explicações que estão fora do seu conhecimento. Aí você mete a cara nos livros para tentar entender um pouco de anatomia, política, filosofia... Não é que ele a questionou sobre Nietzsche? Seu filho já é um adulto. E você ficou toda orgulhosa e disse para as amigas que ele é quase um intelectual. Sem poupar esforços, deu a ele um bom dinheiro para a compra do último lançamento sobre o filósofo. Para a sua surpresa, ele aparece à noite com um par de tênis todo iluminado.
  Você fica um pouco frustrada, mas não diz nada, claro, é muito cedo para qualquer cobrança, afinal ele é ainda uma criança. A sua criança! E você querendo precipitar as coisas. Que nada. Você tem mais é que cuidar do seu pupilo para que cresça forte e saudável. E repete aquelas frases chave: Coma mais um pouco de verdura; engula alguma coisa antes de ir para a aula; leve o casaco; cuidado ao atravessar a rua...
  Sábado à noitinha, quando você chega em casa, toda sua teoria vem a baixo. Sua criança está vestida com composta elegância. Gel no cabelo, perfume e acredite: barba feita! Você fica meio sem jeito olhando para aquele queixo agudo. Há qualquer coisa vaga e premeditada em seu sorriso. Você advinha o que é entre beijos e abraços. Ele combinou ir ao aniversário de um amigo e você tem de levá-lo, evidentemente! Ele não pode faltar ao compromisso. Sem contar um detalhe, o presente. Aí você corre como uma louca. Tem de cumprir com os seus compromissos e, naturalmente, com os compromissos de seu menino.
  Meia-noite é o horário pra você ir buscá-lo. Sim, ele não é mais criança para voltar às nove. E você ainda tem de esperá-lo dentro do carro, a uma quadra de distância. Há dezenas de meninas das quais ele precisa se despedir e precisa mostrar certa autonomia. Beijinho pra cá, beijinho pra lá, você sente que muito em breve ele não mais lhe pertencerá. Você que deu contorno à vida dele, agora assiste de fora como mera testemunha. É o destino das mães. Mas quem se resigna com o destino das mães?
  No domingo, ainda pela manhã, você se assusta com os gritos dele vindo lá de fora. Quer dinheiro para comprar sorvete, gelinho, picolé... ou qualquer coisa do tipo. E o sorveteiro está lá no portão esperando. Você sente uma culpa horrível. Como é que pôde pensar tanta idiotice na noite anterior?! Basta olhar para aquela bochecha vermelha e aqueles olhinhos felizes com meia dúzia de picolés na mão.
  Tenta se redimir jogando uma partida de dominó. Sim, porque você não sabe jogar xadrez e na Dama ele irá lhe humilhar. E quando foi mesmo que você ganhou dele? Ele é esperto, sabe como lhe distrair. Durante a partida relata impressões intermináveis sobre Heloísa Helena, Fernanda Montenegro, Clarice Lispector... e pergunta o significado da palavra paradigma. Claro que você  se sentirá uma imbecil, quando em meio a isso tudo, ele diz: “bati!”. Você sabe que ele é capaz de compreendê-la muito melhor do que você a ele. Ele é capaz de ler seus pensamentos enquanto você tenta compreender os dele. Sente vontade de desistir. Ele não precisa mais de você. É capaz de se cuidar sozinho. Mas, durante a noite não resiste e vai verificar se ele está coberto. Enternece-se com o seu sono. Os cílios longos fazendo sombra no rosto entre retratos de Madonna e Sandy. Bem, se não pude dizer no início, digo agora no final: Não tente compreender seu filho de doze anos!

Lucilene Machado

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