sexta-feira, 25 de setembro de 2015





Amor em tempos de descobrimentos
             
           
            Vivemos o tempo de descobertas e experimentos. Experimentamos palavras de diferentes naturezas, mas sempre intactas, completas de significado. Flexionamos verbos de ligação, ação e movimento, todos no tempo presente. Às vezes a flexão é tão intensa que nos sentimos cansados. Aí silenciamos. Um silêncio que vai perfurando nossos segredos mais íntimos e proferimos com os olhos coisas ainda não nomeadas. A carga semântica do que não tem representação fonética faz meu corpo tremer e quando ele murmura “meu amor”, tenho certeza que todas as coisas estremecem.
            Estremecer é um verbo que experimentamos a cada encontro. Uma palavra que já ganhou memória afetiva à qual invocamos cada vez que nossa boca se aproxima. Um pequeno abalo sísmico nos une e nos agarramos fortemente para nos sentirmos mais confortáveis.
            Conforto também faz parte do nosso léxico, é uma palavra que nos cobre com toda sua potencialidade. Nossos joelhos  emitem sinais de conforto, bem como nosso ventre, pernas e  braços enroscados. Nossas peles se reconhecem e não há lugar no mundo mais apropriado para eu morar do que nesse aconchego. Juntos nos metemos em uma caverna invisível, rodeada de frases, de onde só saímos quando temos fome ou sede.
            Às vezes palavras desconhecidas se oferecem para abrir o nosso dia ou fechar a nossa noite. Lá fora o caos nunca se estanca, dentro me ofereço na perfeição redonda de uma libação. Libação é dádiva, uma oblação que só definimos pelos conceitos dos livros, mas às vezes a palavra quer ser posta em prática, quer ser escrita no longo mapa de nossos corpos. Há muitas outras palavras esperando para circularem em nossas línguas: palavras sagradas e profanas. Crepitam pela noite, crescem pelo espaço da distância e vão se coadunar  pelas esquinas de nossa história. 
            História é palavra antiga que atravessa todos os tempos. A nossa é contemporânea, recém inventada pelo pós-modernismo ou neo-pós-modernismo ou pós-neo-modernismo... certo é que a encontramos originalmente no caos noturno das horas, na vertigem de um mundo urbano estranho e louco. A poesia invadiu a miséria dos simulacros e esboçou futuros roubados de nossos olhares. Brindamos com vinho e frases. Tentamos dizer como tudo é outra coisa e que o amor no tempo futuro é terrivelmente profundo. As maçãs estarão vermelhas e as uvas pendidas sobre a maturidade.
            Por enquanto, bebemos juntos essa terna intimidade que nos acolhe com os estremecimentos da carne e do coração e vamos nos seduzindo com nossos verbos, nossos pontos, nossas vírgulas, nossas carícias, nossos atrevimentos contínuos... e que o prazer que junto inventamos tenha significado verbal de liberdade.
                                         Lucilene Machado


2 comentários:

  1. Que delícia... Que viagem!
    Irrepreensível nos caminhos,
    leva a homilia em punho, mas
    traz um belo resgate, esculpido
    como o vento a contornar a nuca.
    Põe arrepios no que era pedra,
    gemidos nas paredes do infinito,
    onde irrompem as rachaduras,
    e faz saltar palavras pulsando.
    Descrevendo agora de tudo o todo,
    e assim vogando, do ato ao acme,
    rouba todo o silêncio das noites...

    Parabéns professora Lucilene.

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